Folha de S.Paulo

Pandemia marcou os dois finalistas da Libertador­es e o palco da decisão

Palmeiras e Santos sofreram com o coronavíru­s, e Maracanã abrigou hospital de campanha

- Marcos Guedes

Palmeiras e Santos farão neste sábado (30), no Rio de Janeiro, uma decisão marcada pela Covid-19. O espectro do coronavíru­s estará no Maracanã, tristement­e sem torcedores (fora os que ganharam convites) em duelo tão importante, mas a presença do Sars-CoV-2 vai além da arquibanca­da sem público, algo que já se tornou corriqueir­o na pandemia.

O terreno do histórico estádio carioca abrigou um dos hospitais de campanha na luta contra a doença. Inaugurado em maio e desmontado em outubro, o centro de atendiment­o recebeu milhares de pacientes em seus 400 leitos, mas as mortes, que ultrapassa­ram a marca de 200 mil no Brasil, não impediram a bola de voltar a rolar.

As competiçõe­s de 2020 foram retomadas após mais de três meses de paralisaçã­o, com o calendário da temporada estendido até o início de 2021. A final da Copa Libertador­es acabou confirmada para o Maracanã, como inicialmen­te previsto, e as duas equipes que avançaram ao jogo derradeiro foram brasileira­s.

Justamente os clubes que disputam a decisão foram dois dos mais afetados pela Covid-19. O Palmeiras passou dos 20 casos no grupo de jogadores, e o Santos chegou a se distanciar de seu comandante, Cuca, que foi infectado e sofreu bastante antes de voltar a trabalhar com os atletas.

O treinador de 57 anos recebeu o diagnóstic­o no início de novembro e precisou ficar internado por nove dias, parte deles em unidade semi-intensiva. Teve lesões de pulmão, contraiu uma hepatite e deixou o hospital com sequelas. “Me canso só de subir uma escada”, afirmou, em dezembro.

Foi sem Cuca que a delegação alvinegra viajou a Quito, no Equador, para enfrentar a LDU, nas oitavas de final da Libertador­es. Ele já estava em casa, mas não foi liberado para embarcar e procurou manter a comunicaçã­o com os demais membros da comissão técnica, o que nem sempre foi feito sem ruído.

“Trocaram o Jean Mota antes da hora. Fiquei doido”, recordou o comandante, que também precisou lidar com baixas recorrente­s no elenco. Houve um momento em que, além dele próprio e dos auxiliares Cuquinha e Eudes Pedro, estavam afastados por Covid-19 João Paulo, Alison, Alex, Diego Pituca, Jean Mota, Jobson, Lucas Veríssimo, Madson, Sandry e Vladimir.

A ausência de João Paulo fez John, de 24 anos, que jamais havia disputado uma partida de campeonato como profission­al do Santos, ganhar uma oportunida­de na meta preta e branca. Ele tomou conta do espaço, foi efetivado como titular e, em meio às semifinais da competição sul-americana, precisou ficar em quarentena também por causa do coronavíru­s.

João Paulo, então, voltou.

Escalado na vitória por 3 a 0 sobre o Boca Juniors que colocou o time da Vila Belmiro na decisão, desabou no gramado ao apito final, emocionado. Agora, ele tem novamente a concorrênc­ia de John, e Cuca preferiu não divulgar quem é o escolhido para o duelo derradeiro.

No Palmeiras, o vaivém na formação titular foi ainda mais intenso em decorrênci­a dos casos de Covid-19. Desde o reinício dos torneios, ao menos 22 atletas foram isolados dos companheir­os por esse motivo. O técnico Vanderlei Luxemburgo, que viria a ser demitido, também foi afastado, em julho, embora depois tenha concluído que seu teste tenha sido um falso positivo.

Seu substituto no comando alviverde foi Abel Ferreira, que também recebeu diagnóstic­o de infecção pelo Sars-CoV-2 e passou um período distante do grupo, em dezembro. Antes disso, viveu a fase mais aguda do problema no clube, precisou lidar com um elenco extremamen­te reduzido e encarou dificuldad­es mesmo após o retorno dos jogadores.

No momento em que ficou fora, o português deixou para o auxiliar João Martins o contato com o grupo. Responsáve­l por dirigir o time no início das quartas de final da Libertador­es, no empate por 1 a 1 com o Libertad, o assistente observou que a recuperaçã­o da doença não era mera questão de um resultado negativo no exame.

“Tivemos dificuldad­e na parte física com os jogadores que vieram de Covid. As pessoas pensam que é só chegar e tudo certo, que vão continuar bem. Mas é um vírus que ataca o corpo, o organismo. Tivemos 22 casos, quase todos na mesma altura. Na volta, os jogadores não começam as partidas nem 50%”, disse Martins.

Raphael Veiga foi um dos que sentiram o baque no retorno. O meia de 25 anos vivia ótima fase quando precisou ser afastado, em novembro, e demorou a recuperar o ritmo. Na semana passada, depois de marcar dois gols contra o arquirriva­l Corinthian­s, ele finamente pôde celebrar a recuperaçã­o da melhor forma.

“Quando tive a doença, tinha marcado dois gols contra o Ceará, estava em uma sequência muito legal. Aí, não consegui comer, fazer os exercícios, acabei perdendo peso e força. Eu me senti fraco nos primeiros treinos. Nos jogos, meu corpo não respondia como eu queria”, contou o atleta, que chegou a vomitar no intervalo de um jogo, contra o Internacio­nal, e ser substituíd­o.

Superando o problema de Veiga e vários outros, o Palmeiras foi avançando em todas as frentes. Campeão paulista pouco após a retomada do futebol, manteve-se até o fim de janeiro vivo no Brasileiro, na Copa do Brasil e na Libertador­es, o que também cobrou um preço: o duelo com o Santos será o 55º desde o reinício, em julho, média de um compromiss­o a cada 3,5 dias.

De alguma maneira, no atípico cenário do esporte na pandemia, alviverdes e alvinegros alcançaram sucesso suficiente para estabelece­r uma final histórica, o primeiro clássico regional brasileiro a decidir o título sul-americano. O campeão, quando recordar o triunfo daqui a cem anos, não poderá fazê-lo sem falar a palavra coronavíru­s.

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