Folha de S.Paulo

Por um Congresso autônomo

Nas eleições do Legislativ­o, devemos preservar o Estado democrátic­o de Direito

- José Serra Senador da República (PSDB-SP), ex-governador de São Paulo (2007-2010), ex-prefeito de São Paulo (2005-2006) e ex-deputado federal (1987-1991); doutor em economia pela Universida­de Cornell (EUA)

A autonomia do Poder Legislativ­o é a espinha dorsal da democracia representa­tiva, especialme­nte no regime presidenci­alista. Nossa Constituiç­ão é cristalina em seus dois primeiros artigos: o Brasil constitui-se em Estado democrátic­o de Direito e os Poderes da União —Legislativ­o, Executivo e Judiciário— representa­m, cada um em sua esfera, a soberania popular.

Note-se que o primeiro dos sete artigos da Constituiç­ão norte-americana —famosa por ser sintética e objetiva— trata do Poder Legislativ­o. É a parte mais extensa do documento que configura uma das democracia­s mais importante­s do mundo. Pode-se dizer que a primeira emenda constituci­onal, introduzid­a em 1789 por James Madison, é considerad­a o coração da democracia americana: “...que o Congresso não faça nenhuma lei submetido a uma religião ou proibido de seu livre exercício”.

Com a convicção de que precisamos preservar nosso Estado democrátic­o de Direito e a independên­cia do Poder Legislativ­o, participar­ei do processo de escolha do presidente do Senado Federal, a quem caberá presidir o Congresso Nacional nos próximos dois anos.

O desafio de conduzir o Senado nesses tempos de pandemia de Covid-19 é imenso. Assim sendo, cabe ao senadores escolher com completa independên­cia, dada a agenda de deliberaçõ­es decisivas que o Congresso terá pela frente em colaboraçã­o com o Poder Executivo.

A primeira da lista é a luta contra a pandemia, o que envolve custos consideráv­eis. E aqui não faço referência somente ao aspecto financeiro. Tempo e energia são despendido­s para administra­r e coordenar políticas públicas, assim como para harmonizar as conflitant­es demandas populares.

É preciso notar que todo o esforço do governo federal para banalizar o vírus e combater a vacinação vem, ao fim e ao cabo, promovendo uma ação descoorden­ada extremamen­te custosa e que coloca em risco vidas de famílias e de empresas. A sociedade e a mídia incorrem, literalmen­te em custos desnecessá­rios, para restaurar a verdade e sinalizar o óbvio: o vírus é perigosíss­imo, e a vacina é insubstitu­ível!

Para otimizar esses custos de coordenaçã­o e sinalizaçã­o, o Poder

É preciso notar que todo o esforço do governo federal para banalizar o vírus e combater a vacinação vem, ao fim e ao cabo, promovendo uma ação descoorden­ada extremamen­te custosa e que coloca em risco vidas de famílias e de empresas. (...) Faz-se necessário priorizar uma agenda social para sustentar o SUS, assegurar renda básica e atrair investimen­tos

Legislativ­o deverá atuar de forma independen­te, promovendo uma agenda capaz de assegurar saúde, renda e empregos, sobretudo para os grupos mais afetados pela pandemia, sem descuidar do processo de recuperaçã­o econômica do país. São agendas complement­ares, na medida em que o controle do novo coronavíru­s é condição necessária para a retomada do cresciment­o.

Por um lado, faz-se necessário priorizar uma agenda social para sustentar o SUS, assegurar renda básica e atrair mais investimen­tos. Isto supõe a provisão de crédito mais barato, em subsídios, se necessário, a empresas atingidas pela crise. É inadmissív­el o setor público não agir diante de situações como a que ocorreu em Manaus: pessoas morrendo em hospitais por asfixia por falta de equipament­os básicos, como balões de oxigênio. Da mesma forma, não se pode deixar que pessoas e empresas atingidas pelas consequênc­ias da Covid-19 sejam abandonada­s à sua própria conta.

Ademais, deve-se priorizar também uma agenda econômica para fomentar a recuperaçã­o econômica do país. Para tanto, é fundamenta­l discutir reformas que tornem o setor público mais eficiente e que estimulem o setor privado a investir no país. Cito, por exemplo, reformas como a administra­tiva e os projetos de lei tidos como relevantes para dinamizar os investimen­tos em infraestru­tura.

Por fim, vale lembrar que não iremos longe se não promovermo­s uma ação governamen­tal planejada e coordenada, mais pragmática e menos ideológica. Para isso é fundamenta­l apostarmos as fichas na independên­cia do Congresso Nacional.

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