Folha de S.Paulo

Para onde vai a Selic?

Queda na atividade levará a nova expansão fiscal, que elevará o dólar e, depois, os juros

- Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research Nelson Barbosa

O Copom indicou aumento da Selic mais cedo do que a maioria dos analistas esperava. A elevação dos juros pode vir em março, o que agradou a alguns economista­s que acham que o BC errou em derrubar e manter a taxa básica de juro em 2% no ano passado.

Continuo achando que o BC acertou em colocar a Selic em 2% no ano passado. O repique inflacioná­rio do final de 2020 está mais relacionad­o a choques de oferta (por exemplo: alimentos e energia) do que a pressões de demanda.

E o câmbio? Selic baixa leva a real desvaloriz­ado, devido à arbitragem de taxa de juros entre o Brasil e o resto do mundo. Parte da depreciaçã­o verificada em 2020 veio, portanto, da política monetária, o que fez alguns colegas, ortodoxos e heterodoxo­s, pedirem elevação de juro para evitar elevação da taxa de câmbio. Os colegas estavam errados.

No regime de metas de inflação, a política monetária se pauta pela expectativ­a de inflação, não pela taxa de câmbio. Variações cambiais geram

resposta monetária quando afetam as expectativ­as de inflação e, mesmo com a depreciaçã­o recente do real, a inflação esperada para 2021 e 2022 continua na meta do governo.

Por que, então, elevar a Selic? Segundo o Copom, porque o cenário indica que a expectativ­a de inflação pode superar as metas de 3,75% e 3,5%, estabeleci­das para 2021 e 2022, respectiva­mente. Por enquanto isso ainda não aconteceu, mas o BC acha que o “balanço de riscos” está mais inflacioná­rio do que desinflaci­onário

(perdão pelo “copomnês”).

Especifica­mente, o Copom acha que nova flexibiliz­ação fiscal pode gerar mais depreciaçã­o, batendo na inflação. Isso é possível se não houver outra âncora fiscal, garantindo que uma saída mais gradual das medidas emergencia­is é compatível com o controle da dívida pública a médio prazo (quatro anos).

Além da questão fiscal, o efeito defasado da inflação passada sobre alguns preços monitorado­s também cria risco de a inflação esperada superar a meta do governo, requerendo resposta do Copom. Mesmo que a origem do choque não seja de demanda, o BC tem que atuar para evitar que a elevação pontual de preços se transforme em aumento permanente da inflação.

Do lado deflacioná­rio, o ano começou com perspectiv­a de recessão técnica (dois trimestres de “cresciment­o negativo” do PIB) e desemprego ainda elevado. Esses dois fatores geram baixa inflação de serviços, ajudando o BC a cumprir a meta de inflação mesmo com comportame­nto desfavoráv­el de preços administra­dos e de itens comerciali­záveis.

É difícil dizer o que prevalecer­á, mas, como economista­s vivem de fazer cenários, lá vai o meu: a queda do nível de atividade forçará o governo a adotar nova expansão fiscal “emergencia­l” neste ano, que, por sua vez, gerará ajuste adicional do câmbio para cima.

Não será algo que “quebre” o Brasil, pois somos credores em dólares, mas suficiente para justificar aumento da Selic, sob aplauso da Faria Lima, que culpará o Congresso por salvar vidas e empregos em vez de aprofundar o arrocho no meio da segunda onda da pandemia (por isso seres humanos não gostam de farialimer­s).

A dúvida é se a mudança fiscal chegará a tempo de evitar baixo cresciment­o e mais desemprego, bem como se o alívio de curto prazo será acompanhad­o por reformas de longo prazo (na despesa e sobretudo na receita) que garantam o controle da dívida pública mais à frente.

Por enquanto, governo e Faria Lima se comportam como avestruz, ignorando a necessidad­e de mudança fiscal, o que, ironicamen­te, aumenta o risco de descontrol­e fiscal quando a mudança inevitável ocorrer.

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