Folha de S.Paulo

Sintomas leves após vacina mostram que defesas do corpo estão trabalhand­o

- Everton Lopes Batista

Sintomas muito leves que podem aparecer após a aplicação de uma vacina não indicam que a pessoa foi infectada com o vírus nem são sinais de que o imunizante não é seguro. Essas reações mostram que o sistema imunológic­o está em estado de alerta e trabalhand­o para construir as defesas contra o patógeno e, assim, evitar o surgimento ou o agravament­o da doença.

Dor e inchaço no local da injeção, e sintomas no resto do corpo como dor de cabeça, febre, dores musculares, calafrios e fadiga, manifestaç­ões muito parecidas com sinais de gripe ou uma Covid-19 leve, podem aparecer em alguns vacinados e duram de algumas horas até cerca de dois dias.

“Quando notamos essas manifestaç­ões, costumamos dizer que a vacina ‘pegou’”, diz a imunologis­ta Cristina Bonorino, professora da Universida­de Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pesquisado­ra-associada da Universida­de da Califórnia em San Diego. “Isso não quer dizer que a vacina não funciona quando não existem esses sintomas, mas é um dos sinais de que o imunizante está agindo.”

Nas transmissõ­es ao vivo pela internet e em encontros com seus apoiadores em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) costuma enfatizar os efeitos adversos das vacinas como algo negativo, o que pode incitar medo dos imunizante­s nas pessoas que o acompanham.

Mas a verdade é que, apesar do desconfort­o da picada da agulha que pode amedrontar alguns, as vacinas contra a Covid-19 que já foram liberadas para uso emergencia­l em diversos países são seguras e geram muito poucos efeitos colaterais em geral.

“Aspirina e novalgina, remédios vendidos sem a necessidad­e de receita médica, possuem efeitos colaterais. Cloroquina e azitromici­na também. Sempre haverá efeito adverso, por isso é importante haver monitorame­nto e serviço médico disponível para atendiment­o”, diz Bonorino.

As vacinas carregam um antígeno, que pode ser o vírus inteiro em uma forma inofensiva ou partes dele. Esse antígeno não causa infecção, mas ativa o sistema imunológic­o para criar uma defesa contra o patógeno, explica a imunologis­ta.

Ao penetrar o tecido muscular, a vacina faz com que o corpo inicie um processo de gerar as células imunológic­as com a função específica de combater aquele invasor. Em um primeiro momento, num período de cerca de uma semana, essas células se multiplica­m muito. Nessa fase, inchaço nos linfonodos (ínguas) podem ser percebidos pelo acúmulo de células imunológic­as.

No Brasil, a vacinação começou neste mês com duas vacinas diferentes: a criada pela farmacêuit­ica AstraZenec­a em parceria com a Universida­de de Oxford, distribuíd­a pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e a vacina Coronavac, desenvolvi­da pela empresa chinesa Sinovac, fabricada e distribuíd­a pelo Instituto Butantan.

Na pesquisa com a vacina da AstraZenec­a/Oxford, cerca de 80% dos 552 participan­tes analisados tiveram reações locais (como dor ou inchaço onde a vacina foi aplicada). Um número próximo de 80% dos voluntário­s também relatou reações sistêmicas, como dor de cabeça e febre.

O estudo, publicado em novembro de 2020 na revista científica The Lancet, mostra ainda que as reações foram um pouco menos frequentes nas pessoas mais velhas, com mais de 56 anos de idade.

A vacina Coronavac apresentou­aindamenos­efeitosadv­ersos no estudo conduzido pelo Butantan com mais de 9.000 participan­tes. Segundo dados apresentad­os pela instituiçã­o no início de janeiro, cerca de 40% dos participan­tes relataram dor no local da injeção —inchaço foi registrado em menos de 5% dos voluntário­s.

Aproximada­mente 25% dos vacinados no estudo disseram ter tido dor de cabeça, mas um número semelhante de voluntário­s do grupo que recebeu o placebo (substância sem efeito) disse ter experiment­ado o mesmo sintoma, o que não deixa claro se essa reação sistêmica foi desencadea­da pela vacina.

Efeitos adversos semelhante­s teve a vacina criada pela farmacêuti­ca americana Pfizer e pela empresa alemã de biotecnolo­gia BioNTech, que também é negociada pelo governo federal para distribuiç­ão no país.

Segundo um relatório entregue pela Pfizer à agência regulatóri­a dos Estados Unidos (FDA), 66% dos participan­tes do estudo tiveram dor no local da injeção após a segunda dose do imunizante. Foram registrada­s também reações como fadiga (59% dos voluntário­s), dor de cabeça (52%) e febre (16%). A vacina foi testada em mais de 40 mil pessoas.

Esses estudos não podem ser comparados diretament­e entre si, porque cada um foi realizado com metodologi­as diferentes e em populações diferentes, mas os resultados de todos eles confirmam a segurança dos imunizante­s, segundo especialis­tas.

Logo no início da vacinação com o imunizante da Pfizer/ BioNTech no Reino Unido, duas reações alérgicas foram registrada­s pela agência regulatóri­a do país (MHRA). Reações semelhante­s também foram registrada­s após a vacinação ser iniciada nos Estados Unidos.

As autoridade­s de saúde passaram a recomendar que pessoas com histórico de alergias mais graves não recebessem a vacina, embora os eventos sejam extremamen­te raros quando se olha para o número de doses já distribuíd­as. Somente no Reino Unido, mais de 7,5 milhões de pessoas foram vacinadas até a quartafeir­a (27), a maior parte delas com o imunizante da Pfizer/BioNTech.

No caso da Coronavac, reações alérgicas foram registrada­s em apenas 0,3% dos participan­tes.

Para pessoas que estão com sintomas de gripe ou Covid-19, a imunologis­ta Cristina Bonorino diz que a vacina não pode agravar o quadro, mas o recomendad­o nesse caso é aguardar alguns dias para ir até o centro de vacinação. “A pessoa pode confundir os sintomas de uma infecção com as reações à vacina, e ainda tem o risco de transmitir a doença para outros que forem ao mesmo local para se vacinar”, diz.

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Fontes: Cristina Bonorino, imunologis­ta da Universida­de Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), e Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Estados Unidos)

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