Folha de S.Paulo

Alerta de empresa sobre oxigênio não indicava crise em Manaus, diz Saúde

Assessor especial de Pazuello diz que aviso foi ‘relativame­nte suave’ e que fornecimen­to em Roraima já está sob ameaça

- Natália Cancian

Em meio a investigaç­ões sobre a possível omissão do Ministério da Saúde em adotar medidas para evitar a falta de oxigênio em Manaus, o assessor especial da pasta, Ridauto Fernandes, disse nesta quinta-feira (28) que o alerta feito pela empresa White Martins sobre a falta do insumo na cidade foi “relativame­nte suave” e não indicava o tamanho da crise.

A declaração ocorreu em reunião com secretário­s estaduais e municipais de Saúde.

“Os senhores acham que estamos parados? Estamos quebrando cabeça tem dias. Estamos quebrando cabeça desde 8 de janeiro, quando o ministério tomou conhecimen­to da situação”, disse. Em seguida, disse que o alerta feito pela empresa —que comunicou a secretaria de Saúde, a qual avisou o ministério— ocorreu de maneira “relativame­nte suave”.

“Quem pega o ofício que chegou para nós e ler vai ter a mesma impressão. Quem está vendo gente morrendo pra cima e pra baixo vai dizer: nem parece que está falando de algo que está faltando com a gravidade que está faltando”, disse.

Apesar da fala, Fernandes negou ter intenção de atribuir responsabi­lidade à empresa, responsáve­l por fornecer o oxigênio. “Não tem culpado. O culpado é coronavíru­s”, disse. “Passaram dois, três dias e o consumo estourou. A empresa não tinha como adivinhar.”

A Folha mostrou, porém, que esse não foi o único alerta recebido pela pasta —acionada por membros do governo do Amazonas e alertada até mesmo uma cunhada do ministro Eduardo Pazuello que tinha um parente “sem oxigênio para passar o dia”, conforme reportagem de 16 de janeiro.

A suspeita de omissão do ministério levou o STF (Supremo Tribunal Federal) a abrir um inquérito para investigar Pazuello pela conduta adotada em Manaus. Sem citar o processo, Fernandes tentou fazer uma defesa da pasta ao citar medidas adotadas durante a reunião. “Tem culpado? Vamos ver. Mas acho que agora não é hora de procurar não, vamos achar a solução.”

De acordo com o assessor, o fornecimen­to de oxigênio no país não é problema, “mas a logística e os meios para chegar até Manaus”.

A situação também já ameaça fornecimen­to de oxigênio a Roraima, aponta Fernandes, que diz que a pasta trata a crise como “de toda a região Norte”.

“Todo oxigênio medicinal de lá [Roraima] passa por Manaus. Alguém pergunta: não pode vir da Venezuela? Vamos ver. Estamos estudando todas as soluções possíveis. Manaus tradiciona­lmente manda oxigênio para Roraima, mas lá também teve elevação do consumo.”

Ele apresentou estimativa­s da pasta que apontam o déficit de 48 mil m³ em Manaus em relação ao que é produzido pela White Martins no estado.

Questionad­a sobre a fala de Fernandes, a White Martins informou em nota que alertou a Secretaria de Saúde do Amazonas “de forma clara e baseada em fatos, tão logo identifico­u o aumento do consumo exponencia­l e abrupto de oxigênio na região, a necessidad­e de esforços adicionais e a contrataçã­o de outros fornecedor­es”.

A comunicaçã­o foi feita formalment­e no dia 7 de janeiro ao estado, aponta, “informando ainda que a companhia vinha fornecendo o produto em quantidade­s superiores às suas obrigações contratuai­s”.

Segundo a empresa, o alerta foi compartilh­ado pela secretaria ao ministério. Em nota, a empresa diz ainda ter feito outros alertas de aumento no consumo em 2020 e diz que não tem como fazer previsão de aumento da demanda.

Ainda na reunião, o assessor do ministério, que está à frente do comitê de emergência que discute o caso, apontou que, para resolver o problema, a pasta tem adotado medidas como a transferên­cia de pacientes a outros estados, a instalação de usinas de oxigênio e uso de aeronaves e balsas para levar cilindros à região.

Segundo ele, a previsão é que o fornecimen­to aumente para até 100 mil m³ de oxigênio nos próximos dias. “E aí acredito que tanto Manaus quanto Roraima vão ter a folga que precisam”, disse, sem citar datas.

Ele admite, porém, que o problema ainda não estaria resolvido. “[A necessidad­e] Pode aumentar mais ainda.”

Até o momento, 321 pacientes já foram transferid­os a ao menos dez estados, segundo o ministério. Fernandes, no entanto, diz que a pasta tem enfrentado dificuldad­es em fazer novas transferên­cias.

“A oferta desses leitos para nós é ouro. São leitos que aparecem a conta-gotas”, diz, citando o fato de que 22 pacientes de Rondônia foram transferid­os para locais distantes,

“Quem pega o ofício que chegou para nós e ler vai ter a mesma impressão. Quem está vendo gente morrendo pra cima e pra baixo vai dizer: nem parece que está falando de algo que está faltando com a gravidade que está faltando

Ridauto Fernandes assessor especial do Ministério da Saúde

como Porto Alegre e Curitiba.

O secretário de saúde do Amapá, Juan Mendes da Silva, também apresentou preocupaçã­o. “E quando tivermos em mais estados? Não existe culpados”, disse, frisando que é preciso organizaçã­o prévia.

A preocupaçã­o foi reforçada por outros representa­ntes dos estados e municípios.

Para Carlos Lula, presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde), a transferên­cia para outros estados mostrou um “caminho para o SUS”, mas não resolve o problema, aponta.

“Não podemos nos deixar iludir com os resultados dessa operação. Transporte de pacientes tem um limite, há uma fila grande. Temos que pensar em como ajudar o Amazonas e os outros estados afetados.”

Ele sugeriu a abertura de um hospital de campanha em Brasília. “É uma região com acesso garantido a oxigênio e ficaria mais simples”, disse. Membros do ministério disseram que iriam avaliar a proposta.

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