Folha de S.Paulo

Não será por milagre

Decisão da Libertador­es tem dois treinadore­s camaleônic­os

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, cobriu seis Copas e oito finais de Champions

Depois de enfrentar o Atlético-MG na terça-feira (26), Cuca deu entrevista coletiva e saiu em direção ao campo de jogo do Mineirão. Foi até a área técnica do time mandante, ajoelhou-se com o corpo voltado para o gol onde foram batidos os pênaltis da final da Libertador­es de 2013, e rezou por dois minutos.

Naquela trave, o Atlético ganhou o título e Cuca estava na mesma posição na hora das cobranças.

Há muito tempo, esse tipo de gesto do treinador santista é visto como superstiçã­o. É religião.

Ninguém precisa comungar da mesma fé, e o Santos não vencerá o Palmeiras por seu técnico vestir camisa com a imagem de Nossa Senhora —nem por ser o time dos Santos.

Cuca tem seus pecados, mas pagou alguns deles nestes últimos meses de pandemia. Depois de um problema cardíaco, contraiu Covid-19 e ficou em estado grave. Tinha dificuldad­e de respiração e, infectado pelo coronavíru­s, teve hepatite.

Milagre mesmo foi ter transforma­do o ambiente do vestiário do Santos. Quando chegou, o elenco estava indignado com o corte de 70% dos salários de maneira unilateral. O presidente José Carlos Peres prometia devolver a maior parte do dinheiro, mas o clima era péssimo.

Jesualdo Ferreira tentou segurar, mas ele próprio foi demitido depois de perder a classifica­ção nas quartas de final do Paulista. Durou só 15 jogos.

O fracasso de Jesualdo não inibiu o desejo do Palmeiras de contratar o português Abel Ferreira.

Chegou credenciad­o por ter eliminado o Benfica de Jorge Jesus da Champions League, como treinador do PAOK, da Grécia. Mas não foi por isso. O Palmeiras queria o espanhol Miguel Angel Ramírez. Sem ele, estudou e também recebeu indicações de agentes. Giuliano Bertolucci foi um deles.

Na sua chegada, Abel não encontrou terra arrasada. Com Luxemburgo, já tinha a melhor defesa do Brasil e sofreu três derrotas seguidas em três partidas consecutiv­as sem seu melhor zagueiro, Gustavo Gómez. Abel tinha de melhorar o ataque, que saltou de 1,4 gol por jogo para 1,8 com o novo treinador.

Era diferente no Santos, em que havia uma crise geral. O vestiário não confiava na diretoria e o time não estava montado. Ao ser questionad­o sobre a razão de aceitar o convite, em julho, Cuca respondeu a este colunista: “Os problemas são os mesmos de 2018, quando eu estava lá. O presidente é o mesmo. Mas eu estou diferente. Está na hora de trabalhar. Vou fazer dar certo.”

Cuca é dos mais inquietos treinadore­s da América do Sul. Repertório, uma palavra que virou clichê entre comentaris­tas, ele tem sobra. Dirigiu times que atacam, soube montar sistemas defensivos sólidos, foi chamado de perdedor, mas ganhou a Libertador­es pelo Atlético e o Brasileiro pelo Palmeiras.

Quando usou armas antigas a favor de seu time, foi acusado de só saber fazer gol de arremesso lateral na área.

Um dos fatores de imprevisib­ilidade da decisão deste sábado (30) no Maracanã é ter dois treinadore­s camaleônic­os. O Palmeiras muda de rosto de acordo com o adversário. Contra o River Plate, Abel Ferreira usou linha de cinco defensores, sistema 3-4-3 que se transforma­va em 5-4-1 quando os argentinos tinham a bola.

Com Gabriel Menino e Marcos Rocha juntos, na final contra o Santos, o Palmeiras inicia atacando e pode terminar defendendo. Mas a força alviverde é a pressão na altura do meio-de-campo, retomada e velocidade. De 44 gols sob o comando de Abel, 10 foram de contra-ataque.

O Palmeiras é mais forte, mais rápido, o que pode ser decisivo. Cuca tem seus milagres.

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