Folha de S.Paulo

Desfecho de profecia

Em 2015, palmeirens­e e santista apostaram quem venceria antes a Libertador­es —desafio que agora terá conclusão.

- João Gabriel

Quando um viu que o outro estava com a camisa do Palmeiras, parou para vestir a do Santos. A saudável rivalidade entre os amigos Paulo Henrique Soares e Diego Silva, ambos de 27 anos, é visível até durante uma entrevista por videochama­da.

Educadores físicos, se conheceram na Unesp de Bauru (no interior de São Paulo) no primeiro dia de aula, procurando a sala de anatomia. Em 2015, fizeram uma aposta: quem seria campeão da Copa Libertador­es primeiro, pelos cinco anos seguintes. Valendo uma caixa com 12 “litrões”, a garrafa de um litro de cerveja.

Agora, no apagar das luzes, o desafio ganhou ares de profecia. Santos e Palmeiras decidem no Maracanã, no próximo sábado (30), o vencedor do torneio. Nenhum dos amigos esperava desfecho tão grandioso para a história quando ela começou.

“O mais provável [em 2015] era que os dois perdessem. Mas, não, agora um vai sair campeão”, brinca o professor de yoga Diego. Para ele, sempre que o Santos entra numa Libertador­es tem chances reais de vencer.

Tudo começou em uma conversa pós-treino do time de futebol da faculdade, logo depois da final da Copa do Brasil daquele ano, vencida pelos alviverdes nos pênaltis. Então, as duas equipes embalavam uma série de partidas decisivas, como o Paulista daquele mesmo ano, que consagrou os alvinegros.

“A gente sempre falava disso [da rivalidade]. O Palmeiras estava jogando a Libertador­es, mas perdendo. Eu entendia que, para ganhar a Libertador­es, tinha que disputar por uma sequência de anos, para pegar cancha e vencer. Então acreditava que logo, logo o Palmeiras ia ganhar uma”, afirma Paulo, que começou o ano desacredit­ado com a equipe de Vanderlei Luxemburgo.

“Engraçado é que apostar no Palmeiras até 2020 fazia sentido. Apostar que o Santos ia ganhar uma Libertador­es logo era meio inacreditá­vel. O Santos só perdia jogadores, estava sendo processado... Mas os melhores times que vi surgiram assim. Em 2002 só tinha os meninos da base. Em 2010 também. Em algum ano o Santos ia ter que apostar nos moleques da base de novo”, diz Diego.

A relação de amor com o time surgiu de forma diferente para cada um. Paulo, que tem pai corintiano, jura que não se lembra, mas fotos comprovam que, no início da infância e por influência paterna, torcia para a equipe do Parque São Jorge. A mudança se deu porque um de seus melhores amigos, com quem jogava bola e videogame, era palmeirens­e.

“Com uns quatro anos falei pra ele [pai] que ia virar palmeirens­e. E foi meu pai que me deu minha primeira camisa do Palmeiras [em 1997]. Lembro até hoje, em tons de verde e com um símbolo no meio da barriga”, recorda.

Já Diego tem pai santista. Lembra que chegou a gritar “Grêmio” quando os gaúchos foram campeões brasileiro­s em 1996 e que o tio, fã de Marcelinho Carioca, queria fazer dele corintiano. O ano de 2002 foi decisivo para manter a camisa que carrega até hoje.

“No Brasileiro de 2001, eu perguntava para o meu pai: ‘por que que o Santos tá lá atrás?’. Ele falou: ‘O futebol dá voltas’. Aí decidi que ia acompanhar todos os jogos do Santos no ano seguinte e, se não fosse bem, trocaria de time. O primeiro jogo que vimos eu e meu irmão, sem meu pai, foi a estreia do Diego [Ribas]. Pô, eu chamava Diego, ele chamava Diego. Aí não teve mais jeito”, conta.

Durante a campanha na Libertador­es, Diego e o irmão Bruno Cardoso, músico e também santista, fizeram um canto para “embalar a equipe” mesmo a distância.

“Sempre que a gente ia para o estádio, ele [Diego] me falava para compor uma música para o Santos. Nesta pandemia tenho feito muitas músicas, tentando planejar a profissão, e fiz uma para a minha viola”, relata Bruno.

A música chama-se “A Viola Querida”. Um dia, tocando em casa, Diego ouviu o irmão e notou que a melodia poderia virar um grito de torcida. Os dois se sentaram e começaram a escrever uma versão alvinegra.

Foi assim que o verso “E a viola querida eu carrego no peito / Te quero por perto, te quero tocar” virou “Ó Santos querido eu carrego no peito / Te quero por perto, te ver jogar”. A letra segue com referência­s às “sereias da Vila” (equipe feminina), Pelé e Neymar, e a estrofe termina evocando o tradiciona­l “lê lê lê lê lê” das arquibanca­das.

Criada em dezembro, antes das semifinais, a canção tem dado sorte até aqui, mas ainda falta um jogo. E o amigo palmeirens­e torcerá para que ela finalmente falhe.

Paulo e Diego não têm memórias marcantes de duelos entre Santos e Palmeiras que viram juntos. Se fosse possível estar nas arquibanca­das do Maracanã, sem dúvida eles fariam de tudo para ir ao Rio de Janeiro. Em razão da pandemia, porém, verão em suas casas.

“Meu pai é corintiano, assisti ao jogo de volta contra o River Plate [na semifinal] com ele e já foi, nossa… difícil aturar ele do meu lado. Então pretendo ver só com palmeirens­es”, diz Paulo, que mora em Diadema e tenta organizar uma reunião para poucos amigos.

“Aqui em casa não vai ter palmeirens­e, não”, brinca Diego. “Vou ver eu no meu lugar, meu irmão no lugar dele, meu pai no lugar dele, cada um no seu lugar, para dar sorte, tomando cerveja.”

A aposta segue uma caixa de cerveja. O fato de os cinco anos de validade em tese terem se esgotado em 2020 também não será problema. Segundo eles, o que vale é a temporada, postergada por causa da pandemia.

Resta apenas saber o resultado da partida do Maracanã, que, se depender deles, já tem até números definidos: 2 a 0, cada um apostando, claro, no seu time.

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Karime Xavier/Folhapress Os amigos Paulo Soares e Diego Silva
 ?? Karime Xavier/Folhapress ?? Diego (santista) e Paulo (palmeirens­e), que apostaram em 2015 qual dos dois times venceria a Libertador­es
Karime Xavier/Folhapress Diego (santista) e Paulo (palmeirens­e), que apostaram em 2015 qual dos dois times venceria a Libertador­es

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