Evolução das formas de pagamento exige aporte em segurança
Setor financeiro aposta em transações invisíveis e tecnologia de ponta para deslanchar no Brasil
são paulo Foi só depois de ligar o aplicativo de GPS, já perto de sair de casa, que o empresário Hilton Menezes, 46, se deu conta de que chegaria atrasado a uma reunião: o trajeto, que durava em média 40 minutos, tinha demora estimada de 1h30.
Preocupado, o empresário chamou um táxi pelo aplicativo. Conseguiu chegar com certo fôlego na metade do caminho, até o trânsito empacar de vez. Concluiu a corrida ali mesmo, abriu outro app e alugou um patinete. Chegou a seu destino em cima da hora para a reunião.
São vários os motivos para essa ter sido uma história com final feliz, e o principal deles é o mais imperceptível: a praticidade do pagamento.
“Não ter precisado passar o cartão em uma maquininha ou pagar com dinheiro e esperar o troco foi um bônus de tempo que eu precisava naquele momento”, disse Menezes, que é sócio e presidente da consultoria de inovação Kyvo. “Quase tudo que eu pago é por meio digital. É uma questão de praticidade, comodidade e segurança.”
Segundo Edson Luiz dos Santos, fundador da CoLink, o modelo digital tem exigido um maior investimento em segurança por parte das companhias e mais cuidado por parte dos consumidores.
“Trazer um meio de pagamento com comodidade e segurança é um processo pelo qual toda empresa do setor está passando, é preciso ter equilíbrio”, disse.
Do lado do consumidor, Santos alerta sobre a necessidade de manter as camadas de segurança em dia, priorizando fatores de autenticação como biometria e senha.
A fraude, segundo o executivo, é o principal fator de risco —seja por meio da clonagem de cartão de crédito, roubo de contas digitais ou obtenção de senhas por engenharia social, que é quando criminosos manipulam a vítima para que passe informações confidenciais.
Com o pagamento por aproximação e a menor necessidade de ter o cartão físico, os riscos diminuem. O mercado costuma chamar esse tipo de transação digital de “pagamento sem atrito”.
Segundo o vice-presidente de soluções e inovação da Visa do Brasil, Percival Jatobá, o movimento de digitalização do dinheiro tende a se intensificar na indústria.
“Outro ponto importante na ampliação do setor é a disseminação do conceito de IOT [internet das coisas]. Já vemos novidades, como aplicativos que transformam o smartphone do lojista em terminal de pagamento, e vamos viver em um mundo cada vez mais conectado e colaboracionista”, disse Jatobá. “Toda empresa de serviço financeiro que adiciona tecnologia em seus negócios sobe na cadeia de valor.”
Para o executivo, esse movimento abriu espaço para a evolução da segurança.
“O consumidor está cada vez mais exigente: quer velocidade, simplicidade, comodidade, preço e qualidade, características que não valem nada se ele não se sentir seguro para usar o produto ou o serviço”, afirmou Jatobá.
O movimento, segundo executivos do setor, também é reflexo de uma regulação financeira mais propícia à concorrência trazida pelo BC (Banco Central).
“Serviços financeiros não necessariamente precisam ser oferecidos pelos bancos. Esse é um conceito que o BC tem fomentado ao democratizar e ampliar o acesso aos consumidores de maneira regulada”, disse o coordenador do comitê jurídico da Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamento), Gabriel Cohen.
Além do Pix, sistema de pagamento instantâneo implementado pelo BC em novembro, a autoridade monetária regulamentou, em outubro, a atuação de uma nova modalidade: o iniciador de transação de pagamento.
O serviço nada mais é do que uma empresa que libera uma transação entre duas instituições em nome do usuário, após autorização prévia. Essa companhia poderia ser responsável, por exemplo, por transferir mensalmente uma quantia da conta no banco para uma corretora de investimentos a mando de seu cliente.
A modalidade é nova e só deve ser implementada em agosto deste ano, mas abre caminho para que empresas que ainda não atuam no sistema financeiro peçam autorização ao BC para trabalharem como iniciadores.
“Cada vez mais vemos empresas que não têm o pagamento como seu principal negócio entrarem no segmento por meio da ‘fintechzação’. Além de aumentar a competição no setor, isso tende a trazer novos produtos e serviços ao consumidor final”, disse o diretor executivo de operações comerciais da Zoop, Rafael Lavezzo.
“Fintechzação” é a ampliação na oferta de serviços financeiros por parte de empresas de outros setores, como forma de facilitar a vida de seus clientes e abrir uma nova frente de faturamento. Um caso recente foi o Rappi, que anunciou em janeiro a criação do Rappibank, seu próprio banco digital.
O pagamento no WhatsApp —popularmente chamado de WhatsApp Pay— é um exemplo semelhante. Neste caso, o aplicativo de mensagens fez parceria com Visa, Mastercard, Banco do Brasil, Nubank, Sicredi e Cielo para ofertar a função.
A proposta é parecida à do Pix, mas aconteceria pela plataforma do WhatsApp. A empresa aguarda aval do BC.
Segundo o presidente da Mastercard, João Pedro Paro Neto, os próximos passos dos meios de pagamentos já começam a despontar.
“Caminhamos para oferecer produtos cada vez mais personalizados e específicos aos clientes. A indústria começa a expandir sua atuação para além dos cartões, oferecendo soluções a diferentes segmentos. Cada vez mais é a experiência do cliente que faz a diferença”, disse.
A digitalização do setor de pagamentos, no entanto, não significa o fim dos meios mais tradicionais. Para Santos, da CoLink, o dinheiro, o cheque, os cartões físicos e até mesmo o escambo — forma de troca comercial— continuarão existindo.
“Historicamente um meio de pagamento nunca substitui totalmente o anterior, eles se complementam. A tendência é que as novas soluções da indústria convivam com as formas mais tradicionais de pagamento. Só assim nos aproximamos cada vez mais de atender diferentes pessoas e regiões”, afirmou.