Folha de S.Paulo

Bolsonaro agora nega que vá criar três ministério­s

Deputado encerra nesta segunda gestão de 4 anos e meio à frente da Câmara

- Ranier Bragon e Danielle Brant

O presidente Jair Bolsonaro negou neste sábado que irá recriar três ministério­s para acomodar aliados após a eleição no Congresso, como havia indicado na véspera. Ele afirmou, contudo, que Onyx Lorenzoni (DEM) pode deixar a pasta da Cidadania e ir para a Secretaria-Geral.

Sob ameaça de sofrer a primeira derrota para o centrão desde que sucedeu Eduardo Cunha (2015-2016) na presidênci­a da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) mudou o discurso no final de sua gestão e, agora, fala que houve e há risco de retrocesso democrátic­o no país.

“Houve e há uma chance de ruptura institucio­nal. A eleição da Câmara é um divisor de águas nesse assunto. Acho que o presidente da Câmara precisa ser alguém que não seja dependente do governo e que não deva sua eleição ao presidente da República. Com isso, o presidente [Jair Bolsonaro] se sentirá forte o suficiente para ampliar o conflito com as instituiçõ­es democrátic­as, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal”, disse Maia à Folha na manhã do último dia 22, na ampla sala da residência oficial da presidênci­a da Câmara, às margens do lago Paranoá, em Brasília.

Maia encerra nesta segunda-feira (1º) quatro anos, seis meses e 19 dias de comando —um mandato-tampão e dois completos— consecutiv­o, o que o tornou o mais longevo presidente da Câmara de forma ininterrup­ta desde Ranieri Mazzilli (1958-1965).

Em quase todo esse período, Maia atuou como fator de estabilida­de e apoio aos presidente­s da República. Foi essencial para que Michel Temer (2016-2018), do MDB, resistisse no cargo durante o escândalo da JBS, em 2017, ocasião em que o presidente foi acusado, entre outras coisas, de compactuar com a compra do silêncio de Cunha, já na cadeia àquela altura.

Temer escapou de ser afastado por duas vezes graças ao plenário da Câmara, que não reuniu os 342 votos necessário­s para aceitação de denúncia criminal contra ele.

Já sob Jair Bolsonaro (sem partido), Maia conteve o andamento da chamada “agenda de costumes” defendida pelos aliados do presidente, distribuiu uma profusão de notas de repúdio contra assanhos antidemocr­áticos do mandatário, mas capitaneou ações na área econômica que agradaram ao mercado, como a reforma da Previdênci­a, ou deram impulso à popularida­de do presidente, como o auxílio emergencia­l de R$ 600 durante a pandemia.

Em todos esses momentos, ele não declarou haver risco de real abalo à democracia, tanto é que repousam em sua gaveta cerca de 60 pedidos de impeachmen­t contra Bolsonaro sem que Maia tenha se manifestad­o sobre qualquer um deles.

Em meados do ano passado, por exemplo, quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) afirmou que não era questão de “se”, mas de “quando” haveria a ruptura, quando bolsonaris­tas fantasiado­s ao estilo de grupos supremacis­tas soltaram fogos de artifício em direção ao STF e quando o próprio presidente insuflou uma manifestaç­ão golpista em frente ao QG do Exército, Maia divulgou nota dizendo que não via ameaça de ruptura institucio­nal nem apoio nas Forças Armadas para aventuras antidemocr­áticas.

Semanas depois, citou pesquisa do Datafolha mostrando ser de 75% o apoio da população à democracia para dizer que “o brasileiro não permitirá um retrocesso institucio­nal”.

A mudança de tom de Maia tem a ver com o risco de que seu candidato, Baleia Rossi (MDB-SP), seja derrotado por Arthur Lira (PP-AL), que pouco a pouco assumiu a liderança do centrão após o afastament­o, cassação e prisão de Cunha, então comandante do grupo. Lira é apoiado por Bolsonaro.

Parte da dificuldad­e encontrada por Maia hoje para viabilizar Baleia como seu sucessor se deve ao que adversário­s tacham de autoritari­smo no comando da Câmara, em especial durante a pandemia de Covid-19.

Maia acertou com líderes partidário­s que apenas matérias consensuai­s seriam colocadas em votação. No entanto, segundo adversário­s, isso não aconteceu. Maia teria começado a acordar os projetos apenas com seus aliados e escanteado líderes partidário­s do centrão, em especial após a decisão do bloco de se unir a Bolsonaro.

O desgaste aumentou com a suspeita de que Maia tentava nos bastidores viabilizar mais uma reeleição enquanto sinalizava a seis nomes próximos que poderia apoiá-los. Ao ver sua tentativa barrada pelo Supremo, demorou para indicar um candidato, provocando uma indisposiç­ão, por exemplo, com o vice-presidente, Marcos Pereira (Republican­os-SP), com o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) e até com colegas de partido, como Elmar Nascimento (DEM-BA).

Hoje com 50 anos, Maia começou a carreira política sob a influência do pai, Cesar Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro e hoje vereador na cidade.

Na Câmara dos Deputados desde 1999, atuou ao lado de ACM Neto (BA) e de outros no processo de renovação do DEM —que até 2007 se chamava PFL—, tendo exercido a presidênci­a nacional do partido de 2007 a 2011.

Sua única tentativa de eleição fora da Câmara acabou em um grande fiasco. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012, tendo como vice Clarissa Garotinho (então no PR, hoje deputada federal pelo PROS), mas a chapa obteve apenas 2,94% dos votos válidos.

O início da ascensão de Maia na Câmara começou em 2015, quando apoiou a vitória de Cunha, que derrotou o candidato do governo Dilma Rousseff à presidênci­a da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT).

A partir dali, ganhou do emedebista o comando da comissão que analisou a reforma política e, no plenário, a relatoria dela. Ele se afastou de Cunha após o impeachmen­t de Dilma, quando o então presidente da Câmara não o indiciou para a liderança do governo na Casa, colocando no lugar André Moura (PSC-SE).

Com o afastament­o de Cunha do cargo por ordem do STF, Maia conseguiu obter o apoio da esquerda e derrotar o candidato que o centrão e Cunha buscavam emplacar, Rogério Rosso (PSD-DF).

Ao assumir, afirma que recebeu a visita, entre outros, de Arthur Lira, que lhe procuraram em nome de Cunha e tentavam fazer com que ele adiasse a votação do processo de cassação do emedebista. Ele manteve a data, e Cunha foi cassado. Lira não quis se manifestar sobre esse episódio.

No início de 2017, e novamente com o apoio da esquerda, derrotou novamente o centrão, dessa vez Jovair Arantes (PTB-GO). Em 2019, chegou ao terceiro mandato consecutiv­o, aí com o apoio do grupo, que inicialmen­te tentou viabilizar Lira, mas acabou desistindo.

A ruptura com o centrão se deu paralelame­nte à elevação de seus embates com Bolsonaro. Quando Maia virou adversário aberto e um dos principais alvos do bolsonaris­mo, o centrão viu a chance de se aproximar do presidente e lhe dar a base de sustentaçã­o que ele nunca teve no Congresso.

Nos quatro anos e meio da gestão Maia, a Câmara colocou em andamento uma forte agenda pró-mercado. Além da Previdênci­a, foram aprovadas a emenda constituci­onal de congelamen­to dos gastos federais, a reforma trabalhist­a, a alteração das regras de exploração do pré-sal, a liberação das empresas para terceiriza­r atividades-fim, entre outras.

Maia diz que, nesse período, seus maiores erros foram não ter avançado na reforma tributária e ter aceitado que o governo levasse a chamada PEC Emergencia­l, pacote de medidas de corte e controle das despesas públicas, para o Senado, que não a votou.

Sobre o que considera positivo, afirma que recuperou a imagem da Câmara e deu início a uma agenda de modernizaç­ão do Estado, além da aprovação da proposta que deu a guarida orçamentár­ia para o combate à pandemia do coronavíru­s e da que renovou o Fundeb, o principal fundo de financiame­nto da educação básica no país.

Maia integra o grupo político de centro-direita que tentará se contrapor a Bolsonaro em 2022 e que tem como cotados para a disputa presidenci­al, por ora, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o apresentad­or da TV Globo Luciano Huck (sem partido).

Sobre as críticas de que deveria ter dado aval à deflagraçã­o do impeachmen­t de Bolsonaro, Maia afirma que fazer isso durante a pandemia atrapalhar­ia o combate ao vírus, além de poder fortalecer o presidente. Em sua visão, não há ainda força suficiente nas ruas e no Congresso para destituir Bolsonaro.

“Hoje tenho a clareza de que, do ponto de vista da prioridade, eu não errei.”

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Pedro Ladeira - 10.jul.19/Folhapress O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chora durante sessão que aprovou a reforma da Previdênci­a, em julho de 2019
 ?? Pedro Ladeira - 9.jul.15/Folhapress ?? Maia com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que também liderava o centrão
Pedro Ladeira - 9.jul.15/Folhapress Maia com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que também liderava o centrão
 ?? 23.out.20/Governo de São Paulo ?? Maia ao lado do governador de SP, João Doria, durante anúncio sobre a pandemia em 2020
23.out.20/Governo de São Paulo Maia ao lado do governador de SP, João Doria, durante anúncio sobre a pandemia em 2020

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