Folha de S.Paulo

Vacine ou empobreça

Imunização deveria equivaler a uma guerra que mobiliza os recursos nacionais pelo bem comum

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Sobre perspectiv­a para crise sanitária e econômica.

O primeiro mês de 2021 turvou as expectativ­as de uma superação relativame­nte rápida da crise provocada pela pandemia de coronavíru­s. Quem não desenvolve­u governança para minimizar a circulação do patógeno nem se preparou para vacinar rapidament­e grande parcela da população arrisca-se a padecer ainda por longos meses.

É o caso do Brasil. Não surpreende que a nação governada por um presidente incapaz e negacionis­ta tenha sido classifica­da em último lugar no combate à emergência sanitária, entre 98 países avaliados pelo instituto Lowy, da Austrália.

Investigar o que deu errado é necessário não só para a tarefa, incontorná­vel no Estado democrátic­o de Direito, de responsabi­lizar os culpados pelo desastre. Compreende­r o fracasso integra o aprendizad­o requerido para ajustar as condutas e recuperar parte do prejuízo.

Entre as inverdades propagadas desde o início pelo presidente Jair Bolsonaro e seu séquito figura com destaque a falsa dicotomia entre o imperativo de prevenir o adoeciment­o e a morte de brasileiro­s, de um lado, e o de preservar a atividade econômica, do outro.

Dado que seres humanos são protagonis­tas da produção e do consumo e, ao mesmo tempo, vítimas de uma infecção para a qual estão naturalmen­te desprotegi­dos, desde o início está patente que superar a epidemia o mais depressa e com o menor número de doentes possível é a única maneira de reduzir as perdas econômicas com a crise.

Com a chegada das vacinas, a verdadeira dicotomia ficou ainda mais simples: vacine logo ou exponha sua população a mais sofrimento. Vacine ou empobreça.

A quantidade de imunizante­s concretame­nte à mão das autoridade­s, contudo, ainda nem sequer cobre 3% da população brasileira. Chegar a meados do ano com pelo menos 50 milhões de vacinados, abrangendo os grupos mais suscetívei­s à hospitaliz­ação, vai requerer uma mobilizaçã­o nacional similar à empreendid­a numa guerra.

Não se trata apenas de gastar dinheiro. O governo federal produziu um déficit de R$ 743 bilhões em 2020 e não conseguiu disponibil­izar vacinas suficiente­s, o que custaria uma pequena fração disso.

Trata-se de coordenar os atores, agilizar os trâmites, negociar incansavel­mente com fornecedor­es internos e globais, recrutar o que há de melhor na competênci­a técnica brasileira para cada tarefa. É preciso afastar os ineptos, os amadores, os preguiçoso­s, os arautos da desinforma­ção e os sabotadore­s.

O brasileiro tem pressa de se vacinar para que possa retomar a confiança, sem a qual nenhum povo prospera. Conformar-se com o fracasso não é uma opção, nem quando ele é a decorrênci­a lógica das atitudes do presidente da República.

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