Folha de S.Paulo

De ‘nata do que não presta’ a aliado, centrão explica adesão a Bolsonaro

Dirigentes dizem que mudança de atitude aconteceu porque presidente corrigiu comportame­nto

- Bruno Boghossian e Ranier Bragon

Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro, então no PSL, dizia que os dirigentes do centrão eram “a alta nata de tudo o que não presta no Brasil”. Chegando ao poder, o presidente atravessou 2019 em conflito com esses partidos. Já 2020 ficou marcado como o ano em que eles fizeram contato.

Em busca de sustentaçã­o no Congresso para aprovar projetos e reduzir os riscos que poderiam abreviar seu mandato, Bolsonaro distribuiu cargos para o centrão e tornou essas siglas a espinha dorsal de sua base política.

O presidente, que no início do ano passado participav­a de manifestaç­ões pelo fechamento do Congresso, abandonou o embate com os partidos tradiciona­is e recebeu apoio até de antigos críticos.

Nesta segunda-feira (1º), dois nomes apoiados por Bolsonaro aparecem como favoritos para as eleições no Congresso: Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado, e Arthur Lira (PP-AL), na Câmara —esse último o principal líder do chamado centrão, bloco de partidos de centro e de direita conhecidos como adeptos do “tomá lá, dá cá” (apoio em troca de cargos e verbas).

Dirigentes e líderes dizem que a aproximaçã­o com o governo em 2020 foi possível porque Bolsonaro corrigiu problemas em seu comportame­nto.

“Nãodáparac­ompararoBo­lsonaro dos últimos seis meses com o daquela época”, afirmou à Folha o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que é presidente da sigla. “A gente caminhava para um extremismo que não tinha como dar certo. Ele notou que aquilo era um erro.”

A nova aliança represento­u, em certos casos, mudanças nos dois lados da relação. Nogueira, por exemplo, disse em 2017 que Bolsonaro tinha “um caráter fascista” e que não teria “capacidade de governar”. Afirmava que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia sido o maior presidente da história do país.

Agora, o discurso é favorável ao atual governo. “Hoje, tem muito mais identifica­ção desses partidos com a pauta do Bolsonaro do que tinham com o Lula, principalm­ente na pauta econômica. Eu não tenho identifica­ção nenhuma com o pessoal do PT, da Dilma naquelaépo­ca”,disseNogue­ira.

No discurso, integrante­s do centrão citam como razões para a mudança de posição o que chamam de amadurecim­ento de Bolsonaro e a constataçã­o do presidente de que a política se dá em negociação com os partidos, não à revelia deles.

Nos bastidores, porém, alguns líderes destacam outros pontos de convergênc­ia. Há interesse comum no desmonte da Lava Jato —que teve o centrão como um de seus alvos e que projetou Sergio Moro, agora rival de Bolsonaro— e uma farta distribuiç­ão de verbas e cargos na máquina federal.

“Eu digo sempre que o parlamenta­r gosta de atenção. Tendo atenção, sendo ouvido, trabalha melhor. Você ter trânsito é muito melhor do que ter cargo”, diz Joaquim Passarinho (PSD-PA), um dos vice-líderes do governo na Câmara.

Ele integra um partido que rejeita os termos centrão e governista, embora atue dentro do bloco e ocupe cargos no governo, como o comando da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) e o Ministério das Comunicaçõ­es.

Outras siglas assumem a posição de maneira mais aberta. É o caso do PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson. Ele diz que o prestígio oferecido pelo governo aos deputado sé essencial eque a distribuiç­ão de cargos é parte dessa relação.

“O governo Lula escancarav­a, dava o cargo para o partido fazer dinheiro. O Bolsonaro, não. Dá o cargo para fazer política”, afirmou Jefferson, que delatou o mensalão em 2005, foi condenado e preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Ele reconhece que os parlamenta­res da sigla fizeram indicações para cargos e afirma que todos receberam um alerta: “Avisa ao teu indicado para não errar. Se errar, vai ser processado, vai ser preso e nós vamos colocar no jornal que a indicação é sua”.

Jefferson diz que o presidente se beneficia da aliança com o centrão, apesar das críticas feitas por apoiadores fiéis .“Você tem um pessoal nabas edel equeémaisr adi cal, mais purista, mais virginal. E apolítica tem seus aspectos práticos .”

Líder da bancada gaúcha na Câmara e também vice-líder do governo, Giovani Cherini (PL-RS) diz que a ideia de governar sem o apoio de partidos foi “uma febre eleitoral”.

“Os eleitores exigiam isso. Aquilo de ‘não vou colocar político, vou colocar técnico’. Só que as pessoas não entendem que o técnico trabalha oito horas, opolíticot rabalha 24 horas. Essaéa diferença ”, diz.

O deputado minimiza críticas que fez a Bolsonaro até os primeiros meses de 2020, quando o presidente endossava movimentos públicos, autoritári­os e inconstitu­cionais contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso.

“Penso a mesma coisa [da época das críticas], temos que respeitar os Poderes. Como faço uma crítica agora à intervençã­o de assuntos políticos que o STF tem feito em relação ao Poder Executivo. Pedir plano de vacinação, isso não é papel do STF”, afirma.

Após essa entrevista, da dano fim de 2020, Bolsonaro voltou adar declaraçõe­s de cunho antidemocr­ático, como ad eque são as Forças Armadas que decidem se o país vai viver numa democracia ou numa ditadura.

Cherini nega ter obtido cargos e vantagens na relação com Bolsonaro e levanta dúvidas sobre a existência da prática.

“Se acontece isso, eu devo ser um bobo, né? Não recebi nada de especial. Tem zumzum, porque zum-zum de deputado existe muito. Muitos gostam de se gabar, de ter prestígio, evai ver, muitas vezes nãoé isso .”

O PL, porém, indicou aliados para cargos no Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação, no Ministério da Saúde e no Departamen­to Nacional de Obras Contra as Secas, entre outros.

Líder do Solidaried­ade na Câmara, o deputado Zé Silva (MG) diz que não era um entusiasta do governo, mas que sempre defendeu a necessidad­eda política e da interlocuç­ão.

“Quando o governo negava a política, eu criticava. Quando ele começou a negociar, eu já passo a reconhecer ”, disse, defendendo­também o loteamento de cargos pelos partidos.

Dirigentes dizem que anova base dá força aB olson aro na pauta econômica, mas admitem que já apoiavam esses projetos antes. Na agenda dos costumes, ainda há obstáculos.

Também ainda não há compromiss­o do bloco para uma aliança a favor da reeleição de Bolsonaro em 2022. Partidos como PP e PTB preveem esse apoio, mas outras siglas afirmam que é cedo até para dizer se a coalizão se manterá de pé nos próximos anos.

 ?? Luiz Novaes - 3.fev.1988/Folhapress ?? 1 1 Cardoso Alves, em primeiro plano, durante a Constituin­te
Luiz Novaes - 3.fev.1988/Folhapress 1 1 Cardoso Alves, em primeiro plano, durante a Constituin­te
 ?? Pedro Ladeira - 16.abr.2016/Folhapress ?? 3 Cunha preside sessão que autorizou a abertura do impeachmen­t de Dilma 3
Pedro Ladeira - 16.abr.2016/Folhapress 3 Cunha preside sessão que autorizou a abertura do impeachmen­t de Dilma 3
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Pedro Ladeira - 9.dez.2020/Folhapress 4 Lira lança sua candidatur­a à presidênci­a da Câmara 4
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Sérgio Lima - 30.jun.2005/Folhapress 2 2 Jefferson depõe na CPI dos Correios

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