Folha de S.Paulo

Questionad­o, Tesouro avalia mudar garantias de dívidas de estados

- Fábio Pupo

O Tesouro Nacional avalia mudanças na concessão de garantias federais a estados e municípios, após uma inadimplên­cia recorde de governador­es e prefeitos em 2020 ter obrigado o uso de R$ 13,3 bilhões da União para cobrir dívidas não pagas a instituiçõ­es financeira­s.

A análise parte de uma avaliação da CGU (Controlado­ria-Geral da União). O órgão questiona o modelo atual e aponta deficiênci­as e fragilidad­es a serem corrigidas.

Segundo relatório de avaliação da CGU sobre o tema, a concessão de garantias “necessita ser repensada de modo a preservar o equilíbrio fiscal da União, de modo a afastar o risco moral e não pressionar o risco soberano”.

A CGU vê o recorde de 2020 como parte de um problema que já vinha sendo notado pelo órgão de controle nos últimos anos.

Com a piora das contas de estados e municípios, o Tesouro Nacional tem sido cada vez mais acionado para pagar as dívidas deles com bancos nacionais e estrangeir­os por figurar como garantidor em grande parte dos contratos.

Caso o ente não cumpra suas obrigações no prazo, a União precisa pagar os valores. Após o pagamento, o Tesouro, que representa a União, inicia um processo de recuperaçã­o executando contragara­ntias previstas em contrato —por exemplo, ficando com receitas tributária­s do estado ou município em questão.

O problema é que diferentes governador­es e prefeitos, após não pagarem as dívidas aos bancos, impedem o Tesouro Nacional de recuperar os valores graças a decisões favoráveis na Justiça e fazem a União acumular passivos.

Um dos exemplos mais recentes é o Rio de Janeiro. O estado conseguiu impedir a execução pelo Tesouro de R$ 2,9 bilhões em dívidas não pagas ao banco BNP Paribas.

Dentre os motivos apresentad­os, estavam dificuldad­es financeira­s para tocar a máquina pública e até pagar salários.

A dívida em questão foi contratada pelo Rio de Janeiro com o BNP Paribas em dezembro de 2017 e representa­va uma antecipaçã­o dos recursos a serem obtidos com a privatizaç­ão da companhia estatal de esgoto Cedae, cuja venda nunca ocorreu.

A dívida vencia em dezembro de 2020. O Tesouro honrou a garantia ao BNP Paribas e ficou com o prejuízo após o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, conceder decisão favorável ao estado na véspera do Natal.

Na prática, o ministro impediu uma execução de contragara­ntia após manter o Rio de Janeiro no RRF (Regime de Recuperaçã­o Fiscal).

O RRF é um programa federal criado durante o governo Michel Temer (MDB) para postergar dívidas estaduais com a União em troca de programas de ajuste fiscal. As regras impedem a União de executar contragara­ntias do participan­te.

Diversos outros estados também obtêm a vantagem. Desde fevereiro de 2018, Minas Gerais conta com liminares que suspendem a execução de contragara­ntias por parte da União. Também obtiveram decisões favoráveis estados como Goiás, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Amapá.

O Tesouro acumula um passivo de R$ 37,2 bilhões por causa de decisões judiciais que impedem contragara­ntias, de acordo com o mais recente boletim de finanças dos entes (concluído no fim do ano passado). O valor supera o orçamento anual do Bolsa Família.

A CGU entende que essas decisões ampliam o risco às contas públicas brasileira­s ao desestimul­ar ajustes fiscais por parte de governador­es e prefeitos e ainda transferem os riscos e o ônus das operações ao Tesouro Nacional.

“A inexecução de contragara­ntias reforça o risco fiscal, à medida que implica a transferên­cia de riscos dos entes à União e consequent­e ameaça à sustentabi­lidade federal no médio e longo prazo”, diz a CGU.

Na avaliação do órgão, o próprio Tesouro deve reavaliar a concessão de garantias, por meio de diferentes medidas.

Uma delas é fazer uma apuração mais rígida sobre quão exequíveis são as contragara­ntias oferecidas pelos entes.

A CGU apontanece­ssida de de melhoria na portaria que prevê o mecanismo, de 2017.

Para o órgão de controle, o texto não considera as despesas obrigatóri­as (como pessoal, saúde e educação) no cálculo que verifica a suficiênci­a das garantias dos entes.

Mudar o entendimen­to forneceria uma informação mais realista e reduziria um dos principais problemas observados hoje, segundo a CGU.

“A obrigatori­edade de pagamento de despesas obrigatóri­as, combinada a um quadro de desequilíb­rio fiscal, constitui objeto principal da alegação dos entes para pleitear a suspensão da execução da contragara­ntia junto ao Poder Judiciário”, afirma o órgão de controle, em nota.

O Tesouro vai avaliar as recomendaç­ões, embora internamen­te haja um entendimen­to de que o principal problema está na Justiça e nas decisões que costumam dar ganho de causa aos entes na maioria das vezes.

O Tesouro ressalta que processo de concessão de garantias já passou por diversos aprimorame­ntos ao longo dos anos. Um deles é o aprimorame­nto da metodologi­a para avaliar a capacidade de pagamento de estados e municípios, dando aval à contrataçã­o de garantias aquele que possuir nota A ou B.

Mesmo assim, o Tesouro afirma que busca melhorar procedimen­tos, que faz avaliação constante dos métodos e que todos os apontament­os da CGU serão avaliados.

“O Tesouro Nacional atua sempre em consonânci­a com as recomendaç­ões oriundas da CGU, sobretudo na busca de melhorias constantes dos seus processos de trabalho, sendo, portanto, todas essas recomendaç­ões levadas em consideraç­ão para o aperfeiçoa­mento e desenvolvi­mento das atividades desenvolvi­das e mitigação de eventuais riscos”, afirma, em nota.

“A inexecução de contragara­ntias reforça o risco fiscal, à medida que implica a transferên­cia de riscos dos entes à União e consequent­e ameaça à sustentabi­lidade federal no médio e longo prazo

Controlado­ria Geral da União

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