Folha de S.Paulo

Gabriel Galípolo Caso GameStop traz reflexão sobre formação de preços no mercado

- Joana Cunha painelsa@grupofolha.com.br

O fenômeno da valorizaçã­o da GameStop, que surpreende­u Wall Street na semana passada após uma ação orquestrad­a de pequenos investidor­es, traz grandes reflexões sobre os preços dos ativos no mercado financeiro, segundo Gabriel Galípolo, professor da PUC-SP e presidente do Banco Fator.

“É quase um ramo amador de uma análise de psicologia de massas. Às vezes, tem de estar menos atento ao que realmente são os números da empresa, e nesse caso foi clássico”, diz.

* Alguns interpreta­ram o caso GameStop com uma visão romântica dos pequenos investidor­es contra os grandes.

Tem um caráter de pessoas que se juntaram para provocar a valorizaçã­o ou a defesa do preço de um ativo. Acho que isso é verdade. Existe um sentimento de desinterme­diação que está em várias esferas das nossas vidas.

Antigament­e, para ser um portador de uma notícia ou opinião, você precisava ser uma pessoa especializ­ada ou trabalhar em um grande canal de comunicaçã­o. E as redes sociais permitiram dar voz a muitas pessoas, o que tem lado bom e ruim. Isso está chegando no mercado financeiro.

Antes, esses processos de mobilizaçã­o de recursos para um lado ou outro eram feitos por grandes gestores, por quem tem poder de controle sobre grandes volumes. E talvez as redes sociais estejam conferindo esse poder, ainda que você não seja uma grande instituiçã­o financeira.

Mas também é preciso estar atento se foram só pequenos investidor­es que estavam lá. Acho que é um movimento de massa mesmo, mas me parece que há investidor­es que não são tão pequenos e entraram na onda e se beneficiar­am dessa valorizaçã­o.

Que reflexão esse fenômeno traz sobre os preços?

Por ter sido feito de uma forma pública, porque envolveu uma rede social, eu acho que desperta na maioria das pessoas essa percepção de que os preços dos ativos na economia são formados muito mais por processos de convicção e crenças, convenções formadas.

Gera um desconfort­o porque a economia gosta de se colocar na posição de ciência exata, de que preços são resultado de metodologi­as complexas, cálculos, como resultante de uma conta. Mas o mercado é diferente.

Na matemática, se você faz a conta, chega no número, mas, para o mercado existir, obrigatori­amente, precisa ter duas pessoas com visões distintas da mesma coisa.

Ou seja, para o mesmo conjunto de informaçõe­s disponível alguém precisa achar que o preço daquele ativo vai subir e outro precisa achar que vai cair. Só assim tem compra e venda.

O mercado só existe porque há visões dissonante­s, ou opostas, sobre o mesmo ativo.

Não resulta de dedução lógica com resposta única. Só que isso chega ao ponto do movimento do ser humano em sociedade: se as pessoas acreditam que algo existe e se comportam como tal, aquilo existe, passa a ter uma influência e acontecer como se existisse.

É quase um ramo amador de uma análise de psicologia de massas. Às vezes, tem de estar menos atento ao que realmente são os números da empresa, e nesse caso foi clássico, e mais atento ao que as pessoas estão olhando e deduzindo sobre aquela empresa.

É curioso, porque às vezes você pode ter uma grande sacada, que ninguém viu, mas no mercado financeiro não é um grande negócio, porque se você estiver sozinho naquela visão, provavelme­nte, vai ficar em situação fragilizad­a.

A regulação falhou?

Os fundos fizeram o que chamamos de shortear. É permitido. O que é discutível é o novo. A maior parte da regulação se dá muito mais para tentar evitar que grandes instituiçõ­es façam esses movimentos de valorizaçã­o para se beneficiar.

A regulação sobre o investidor pessoa física terá de avançar. Você não está olhando mais só para o investidor que é uma instituiçã­o financeira, um gestor. Agora são vários investidor­es que se uniram para fazer isso através da tecnologia.

Eu entendo que a regulação no Brasil é mais rígida e mais avançada que a dos EUA. Mas é uma situação sui generis. Se um grupo de Telegram com 12 mil pessoas se junta para formar preço, como você vai fazer? Abrir processo contra todos? Vai ter que pensar como a regulação vai avançar, mas é um tema que está acontecend­o em vários ramos da vida.

O interessan­te de isso estar acontecend­o no mercado financeiro é a exposição de que os preços, muitas vezes, são formados de maneira absolutame­nte descolada de fundamento­s econômicos. Eles são formados por convenções sociais, convicções.

Os fundos se submeteram a um nível de risco exagerado?

É sempre uma aposta sobre o futuro. Os fundos fizeram a conta, olharam para a GameStop, viram que era uma empresa que está sofrendo financeira­mente, que a chance de ela subir era baixa. Ou seja, ele tinha uma chance alta de acertar ou de perder pouco. Mas, por um movimento das pessoas, a empresa teve uma valorizaçã­o inacreditá­vel.

Tem alguma analogia com o subprime da crise de 2008?

Não. É diferente. Ali se estava concedendo crédito para as pessoas que não tinham condição de pagar, e depois se empacotava­m esses créditos em produtos financeiro­s que tinham demanda. O que pode ter em comum é a lógica das convicções: de que se as pessoas convencion­arem que aquilo vai bem, vai continuar encontrand­o demanda e subindo. Mas lá tinha um caráter institucio­nal, com grandes bancos e agências de rating sancionand­o.

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