Folha de S.Paulo

Que fazer?

Seria espetacula­r que o Congresso conseguiss­e atrasar o ciclo de alta da Selic

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP

Estamos em meio a uma segunda onda da epidemia. Os novos casos e as novas mortes, ambos na média móvel de sete dias, estão próximos das máximas observadas na primeira onda.

As medidas de distanciam­ento social têm sido ampliadas. O setor de serviços, que ensaiava recuperaçã­o, vai sentir.

Haverá pressão para que se aprove algum tipo de extensão do auxílio emergencia­l (AE). A extensão do AE não é medida de natureza técnica. A recuperaçã­o da economia depende de uma solução permanente para a epidemia, isto é, da vacinação.

Cálculos de meu colega do Ibre Bráulio Borges indicam que foi baixo o efeito do gasto público para reduzir o impacto sobre a atividade econômica da epidemia. Em geral de 1 para ¼: cada 1 ponto percentual do PIB de gasto reduziu a queda em 2020 de 0,25 ponto percentual.

O baixo impacto sobre a atividade do gasto em tempos de pandemia faz sentido: o gasto é para que as pessoas possam ficar em casa se defendendo do vírus. Não para estimular a atividade. Assim, renovar por alguns meses o AE é medida de natureza social.

Penso que uma possível extensão do AE deve atender aos seguintes critérios. Primeiro, a elevação do gasto deve ser tratada como conjuntura­l. Não faz sentido alterarmos nossas instituiçõ­es fiscais. Por exemplo, não faz o menor sentido alterar a emenda constituci­onal que estabelece­u um teto para o cresciment­o do gasto público por causa de um gasto emergencia­l.

Segundo, o Congresso deve aprovar conjuntame­nte alguma medida que reduza o gasto público ao longo do tempo, como contrapart­ida à piora da dívida pública que já houve em 2020 e haverá em 2021 se o AE for estendido. O ideal é que uma versão robusta da PEC Emergencia­l seja aprovada.

Terceiro, o Congresso deve aprovar um projeto de lei orçamentár­ia para 2021 que, com exceção da extensão do AE e dos restos a pagar de 2020 ligados aos gastos com saúde (R$34 bilhões que já foram aprovados para serem gastos em 2021 pela lei de diretrizes orçamentár­ia), atenda ao teto do gasto.

A ideia é não misturar o conjuntura­l, a necessidad­e de estender o AE, com o estrutural, isto é, o fato de vivermos em meio a um conflito distributi­vo há seis anos.

Há hoje um déficit primário ajustado ao ciclo econômico de 1% do PIB (o déficit é maior, mas, após a normalizaç­ão da atividade econômica, ele reduzir-se-á). Temos que construir um superávit de 3% do PIB para estabiliza­r o cresciment­o da dívida pública. É nesse sentido que temos um buraco fiscal de quatro pontos percentuai­s do PIB. Esse é o tamanho de nosso desequilib­ro fiscal estrutural.

O enfrentame­nto do desequilíb­rio fiscal ficará para quando a epidemia permitir. Parte importante de nosso desequilíb­rio fiscal estrutural —nosso conflito distributi­vo— ficará para o próximo governo (oxalá o processo eleitoral de 2022 paute esse tema).

O segundo item de minha lista —a aprovação de alguma medida que reduza o gasto público obrigatóri­o— terá como efeito colateral positivo reforçar a situação fiscal ao longo do tempo. Os impactos sobre o mercado serão instantâne­os.

Como apontado na coluna de minha colega de espaço Solange Srour, que escreve quinzenalm­ente às quintas, há sinais de que a percepção de desequilíb­rio fiscal estrutural tem pressionad­o o câmbio e com ele a inflação, principalm­ente de alimentos.

Como apontado por Nelson Barbosa, colega que ocupa este espaço às sextas-feiras, a pressão sobre o câmbio pode gerar movimento de alta da taxa de juros.

Seria espetacula­r que o Congresso conseguiss­e atrasar o ciclo de alta da taxa Selic.

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