Folha de S.Paulo

Cuca opta pela cautela no Maracanã, e Santos perde chance do tetra

Cabeçada de Breno Lopes impede coroação do trabalho do técnico e do time, que tiveram caminhos improvávei­s

- Alex Sabino

A opção de Cuca pela cautela funcionou por 95 minutos. Mas a partida teve 99, com os acréscimos. Foi a partir dos 50 do segundo tempo que tudo deu errado.

O treinador resolveu disputar uma bola que saiu pela lateral com o palmeirens­e Marcos Rocha. O ato foi inexplicáv­el, mas o resultado, previsível. Acabou expulso, enquanto pedia que o árbitro argentino Patricio Loustau consultass­e o VAR.

Pouco depois, aos 53, Pará quase não saiu do chão em cruzamento de Rony para Breno Lopes marcar.

O futebol é capaz de marcar a trajetória de jogadores por causa de um segundo. O gol que decidiu a Libertador­es foi anotado na mesma trave em que, há pouco mais de seis anos, Mario Gotze deu o título mundial para a Alemanha. Depois disso, ele quase nada fez no futebol. Mas está na história.

Foi na mesma área que o atacante Rodrigo Palacio teve a chance de fazer da Argentina campeã minutos antes. Ele tentou encobriu o goleiro Neuer em vez de dar um chute rasteiro. Ficou como a imagem definitiva da carreira de Palacio. Não só pela jogada, mas também pela expressão “era por abajo”, que entrou no folclore do país.

O Santos de 2020 foi improvável, mas todo o sucesso pode ficar manchado por causa do segundo em que Breno Lopes acertou o canto direito.

Cuca não acreditou no que viu seus próprios olhos. Depois de ver seu time golear Grêmio e Boca Juniors nas quartas de final e semifinal da Libertador­es, respectiva­mente, ele resolveu mudar.

Na partida contra os gaúchos (4 a 1), havia escalado Lucas Braga na vaga de Soteldo, que estava com Covid-19.

Diante do Boca (3 a 0), colocou o time com o venezuelan­o, Lucas Braga, Kaio Jorge e Marinho. Os argentinos não viram a cor a bola.

Cuca desconfiou do que havia visto e optou pela cautela na final. No lugar de Lucas Braga, escalou Sandry, volante que sabe sair para o jogo. Mas ainda assim, um volante. Ele formou linha de três com Diego Pituca e Alison.

A ideia era recuperar abola e acionar Soteldo e Marinho. Os pontas teriam mais liberdade. Na questão defensiva, o plano deu certo. Pelo menos até os acréscimos. Mas o Santos quase não criou.

Soteldo demorou para entrar na partida e, quando isso aconteceu, de forma apagada. Marinho esteve longe do jogador que seria eleito, logo após a final, o melhor da Copa Libertador­es.

Cuca guardou Lucas Braga, um atacante que começou a temporada na Internacio­nal de Limeira, time da Série A1 do Campeonato Paulista, para o segundo tempo. Seria opção de velocidade quando os marcadores palmeirens­es, na teoria, estariam cansados.

O Santos não teve nenhuma chance clara para marcar. A cabeçada que Lucas Veríssimo não conseguiu chegar a tempo e o chute de fora da área de Felipe Jonatan não entram nesta categoria.

Depois da final, Alison exaltou a juventude da equipe, que chegou mais longe do que se esperava.

O imediatism­o do futebol pode fazer a cabeçada de Breno Lopes apagar tudo de bom feito por Cuca e pelo time.

O Santos era pouco lembrado como candidato para chegar à decisão continenta­l e, no início do Brasileiro, foi considerad­o como possível rebaixado. A seis rodadas do fim, ocupa a décima posição. Ainda está na briga para voltar à Libertador­es em 2021.

A derrota traz problemas de caixa para Andrés Rueda, presidente que assumiu o cargo em 1º de janeiro. Se fosse campeão, o clube receberia US$ 15 milhões (cerca de R$ 82 milhões) como prêmio. O vice vai lhe dar US$ 6 milhões (R$ cerca de R$ 33 milhões). A diretoria ainda tem dois meses de direito de imagem a acertar com o elenco.

A folha de pagamento do departamen­to profission­al está em cerca de R$ 7,5 milhões mensais.

Se a cautela tática, a pouca inspiração de peças importante­s e a falha defensiva no fim impediram o Santos de se tornar de maneira isolada o maior campeão brasileiro da Libertador­es (com quatro troféus), os erros serão lamentados por Cuca. Impediram que ele tivesse seu maior momento como treinador. Mais do que na campanha do título continenta­l pelo Atlético-MG em 2013.

Aquela equipe mineira tinha Ronaldinho Gaúcho, Jô no ataque, Victor no gol e peças de reposição.

Na Vila Belmiro, o treinador teve de navegar entre uma crise política e outra, blindar o elenco, pedir pagamento de salários atrasados e buscar soluções em garotos da base.

Quando ele chegou, o Santos estava punido pela Fifa e não podia registrar jogadores. A situação ainda persiste.

Um título do time seria a coração de um dos grandes trabalhos recentes de um técnico no futebol nacional.

Depois de afastament­o de presidente, escândalos políticos, contrataçã­o cancelada de Robinho e falta de dinheiro, seria também uma mostra de que organizaçã­o e planejamen­to podem ser superadas por outras coisas no futebol.

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Mauro Pimentel/Pool/AFP Marinho foi eleito o melhor jogador da Libertador­es, mas saiu decepciona­do de campo e pediu desculpas à torcida

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