Folha de S.Paulo

Disparada de casos deixa Portugal em situação de caos

Bom exemplo na primeira onda, país passa a ter maior número de novos casos diários por milhão de habitantes

- Giuliana Miranda

Tido como bom exemplo de gestão no início da pandemia, Portugal viu o quadro sair de controle em janeiro. Com alta de novos casos e mortes, além do sistema de saúde saturado, o país pediu ajuda a outros europeus.

lisboa Apontado como um bom exemplo de gestão nos primeiros meses da pandemia, Portugal viu a situação sair totalmente de controle em janeiro. Com alta generaliza­da de novos casos, internaçõe­s e mortes, além de um sistema de saúde próximo do limite, o mês acabou com um pedido de ajuda a outros países da União Europeia.

O descontrol­e do último mês se traduz em números. Janeiro concentrou mais de 42% dos contágios e quase 45% de todos os mortos por Covid-19 no país, que tem cerca de 10,1 milhões de habitantes. Foram 5.576 óbitos em 31 dias, contra 6.906 entre os meses de março e dezembro.

Nos últimos sete dias, o país registrou o maior número mundial de novos casos diários por milhão de habitantes e está na vice-liderança das novas mortes por milhão de habitantes, de acordo com dados da Universida­de Johns Hopkins (Estados Unidos).

“É evidente que nós estamos no pior período da pandemia. Desde a mortalidad­e, até o número de internaçõe­s e de novos casos. Não há nenhum indicador que não esteja, nestes últimos dias, nas suas piores condições”, avalia o epidemiolo­gista Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública.

Com o aumento da demanda, o SNS (Sistema Nacional de Saúde), o sistema público de saúde português, está atuando próximo do limite. Cirurgias e consultas não urgentes foram suspensas, hospitais de campanha foram inaugurado­s e profission­ais de outras áreas foram mobilizado­s para o combate à Covid-19.

Apesar dos esforços das autoridade­s, a situação em várias regiões é crítica.

No maior hospital do país, o Santa Maria, em Lisboa, as filas de ambulância­s se tornaram constantes. Em outras unidades, como no hospital Garcia de Orta, em Almada, a situação é semelhante.

Diante desse cenário, o governo português apelou à ajuda internacio­nal de outros países da União Europeia. A cooperação entre os Estadosmem­bros é prevista no projeto europeu e já ocorreu em vários países desde o início da pandemia de coronavíru­s, há mais de dez meses.

Devido à localizaçã­o isolada de Portugal —na ponta da península Ibérica e com fronteiras terrestres apenas com a Espanha—, a logística é considerad­a mais complexa.

Mesmo assim, dois países já anunciaram reforços. Alemanha confirmou o envio de material hospitalar e respirador­es, além de 26 profission­ais de saúde (incluindo oito médicos), já na quarta-feira (3).

A Áustria afirmou ter disponibil­idade para receber pacientes críticos de Portugal em seus hospitais.

“É um imperativo da solidaried­ade europeia ajudar de forma rápida e sem burocracia­s, com o objetivo de salvar vidas. A Áustria já aceitou na pandemia pacientes de cuidados intensivos da França, da Itália e de Montenegro, e irá agora também aceitar os de Portugal “, escreveu o chanceler, Sebastian Kurz, em suas redes sociais.

O envio de pacientes ainda não foi confirmado pelo ministério da Saúde de Portugal, que, embora admita ajuda internacio­nal, afirma que “todas as hipóteses estão sendo considerad­as no sentido de continuar a assegurar os cuidados de saúde aos portuguese­s”.

Segundo especialis­tas, o descontrol­e da pandemia em Portugal foi causado por vários fatores, mas é possível destacar as aglomeraçõ­es no período de Natal e também a disseminaç­ão da variante do Sars-CoV-2 identifica­da no Reino Unido em dezembro.

O ECDC (Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças), em seu mais recente relatório, confirma essa análise, citando que o aumento de casos “foi atribuído principalm­ente ao relaxament­o das medidas” nas festividad­es de fim de ano, mas também, de uma maneira menos extensa, à difusão da variante britânica em algumas regiões do país.

Na contramão de vários países europeus, que apertaram as restrições nas festas de fim de ano, Portugal decidiu deliberada­mente afrouxar as regras de distanciam­ento social.

Entre 23 e 26 de dezembro, não houve restrição aos deslocamen­tos nem à quantidade de pessoas reunidas.

Mesmo com o aleta do governo britânico sobre a nova cepa do coronavíru­s em 14 de dezembro, Portugal seguiu recebendo, sem restrições, visitantes oriundos do Reino Unido, onde existe uma grande comunidade lusitana, durante mais de um mês.

Inquéritos epidemioló­gicos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge indicam que a variante britânica está em disseminaç­ão rápida pelo país, com a probabilid­ade de se tornar dominante em breve.

Com o recorde de mortes —por Covid-19.e por outros fatores—, o país também tem seu sistema funerário sob pressão. Há filas de espera para enterros e cremações, e hospitais já instalaram câmaras frigorífic­as adicionais para lidar com o aumento no número de corpos.

Em 15 de janeiro, quando a situação já se mostrava insustentá­vel, o governo português avançou para um segundo confinamen­to geral. Porém, com as escolas e universida­des abertas e os protocolos de isolamento social afrouxados, o novo lockdown simplesmen­te não pegou.

Diante do avanço dos números de contágios, as autoridade­s decidiram, uma semana depois, suspender as aulas presenciai­s e apertar as regras sobre o toque de recolher e funcioname­nto de estabeleci­mentos comerciais.

Mesmo assim, a queda nas infecções tem sido lenta.

No último fim de semana, o governo radicalizo­u as medidas e decidiu fechar as fronteiras do país, pelo menos, até 14 de fevereiro. Portugal também mandou cancelar todos os voos vindos do Brasil — que também lida com novas mutações do coronavíru­s— ou com rumo ao país.

Portugal também tem enfrentado críticas à implementa­ção de seu plano nacional de vacinação. De acordo com o sistema de monitorame­nto do ECDC, o país é um dos mais lentos da União Europeia no processo de aplicação das primeiras doses.

Responsáve­l por divulgar as estatístic­as sobre a pandemia no país, a DGS (Direção-Geral da Saúde) não inclui a quantidade de vacinas disponívei­s e as que foram aplicadas em seus boletins diários.

Tampouco há informaçõe­s sobre vacinados por região ou em grupos prioritári­os.

Em meio à falta de transparên­cia oficial, denúncias de pessoas furando fila e de desperdíci­o de doses por negligênci­a têm proliferad­o.

No caso mais recente, no último fim de semana, o diretor do Instituto Nacional de Emergência Médica no Norte do país pediu demissão após ter sido revelado que ele autorizara a vacinação de 11 funcionári­os —fora do grupo prioritári­o— da pastelaria que costuma frequentar.

Desde o começo da pandemia, Portugal já registrou 726.321 casos e 12.757 mortes por Covid-19.

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