Folha de S.Paulo

Carnaval da vacina

Covid-19 impede festejos, mas mau exemplo de cima permite prever casos de desobediên­cia

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Acerca de cancelamen­to de feriado em São Paulo.

O governo do estado e a Prefeitura de São Paulo agem corretamen­te ao suspender o ponto facultativ­o costumeiro em dias de Carnaval. O início lento da vacinação contra a Covid-19 desautoriz­a relaxar o distanciam­ento social, imprescind­ível para conter a escalada presente de casos e mortes no país.

Criticou-se a falta dessa medida restritiva na folia de 2020, que decerto contribuiu para a explosão de infecções no primeiro semestre. A pandemia então mal se iniciava e havia pouca informação sobre sua dinâmica. Agora, 225 mil mortos depois, não se pode alegar ignorância e brincar com a doença.

É de prever, no entanto, que parte da população desobedece­rá às autoridade­s e ao bom senso. Uma amostra de tal vezo para festas fora de hora se viu nas comemoraçõ­es da torcida palmeirens­e pela conquista da Libertador­es da América, e não será surpresa se blocos independen­tes de foliões ganharem igualmente as ruas.

Compreende-se, até certo ponto, a necessidad­e de extravasar ansiedade e angústia acumuladas em quase um ano de epidemia, porém isso não torna tal comportame­nto menos perigoso. Quem se contaminar no folguedo terá de voltar para casa ou para o trabalho, assumindo assim o risco de infectar parentes e colegas.

Os maus exemplos, nem é preciso dizer, vêm de cima. O prefeito paulistano, Bruno Covas (PSDB), compareceu ao Maracanã para ver a final da Copa Libertador­es. Outros 20 alcaides paulistas ignoraram restrições da fase vermelha determinad­as pelo governador João Doria, também tucano.

O caso do presidente Jair Bolsonaro, desnecessá­rio dizer, é patológico. Desde o advento da Covid ele contraria recomendaç­ões da medicina: incentiva aglomeraçõ­es, não usa máscara em público, lança desconfian­ça contra vacinas e promove terapias fraudulent­as contra o coronavíru­s.

A vacinação seria a solução para conter a pandemia, mas o governo federal fracassa em garantir a segurança dos brasileiro­s.

Não providenci­ou a quantidade necessária de imunizante­s, e mesmo com a escassez de doses disponívei­s preside uma campanha lenta e descoorden­ada, com falhas logísticas após a distribuiç­ão ter sido terceiriza­da na administra­ção de Michel Temer (MDB).

Perante tanto descaso e incúria, a população perde confiança até nas autoridade­s de saúde que destoam do negacionis­mo. Com um presidente ocupado em escapar do impeachmen­t e proteger os filhos de processos judiciais, o Brasil enfrenta às cegas a pior emergência sanitária em um século.

Entregar-se ao Carnaval, nessa conjuntura, seria manifestaç­ão somente de desespero.

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