Folha de S.Paulo

Bolsonaris­tas deveriam revoltar-se

- Helio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Se eu (Deus me valha e guarde!) fosse bolsonaris­ta, já estaria na rua quebrando tudo. É que há um limite para o número de vezes que uma pessoa pode deixar-se enganar sem compromete­r a autoimagem. E, no caso dos admiradore­s do mito, esse limiar já ficou para trás em qualquer análise objetiva.

A cereja do bolo é o esforço bilionário do presidente de distribuir verbas e cargos entre congressis­tas para tentar assegurar aliados no comando da Câmara e do Senado. O próprio Bolsonaro, durante a campanha, dizia que o presidente que troca cargos por apoio no Parlamento merece o impeachmen­t (declaração de 27 de outubro de 2018). E quem é um bolsonaris­ta para discordar de Bolsonaro?

Não foi só na antipolíti­ca que o exmilitar cuspiu em seu eleitorado. Ele também o fez em relação à pauta anticorrup­ção (foi Bolsonaro, não Temer, quem enterrou a Lava Jato) e à agenda econômica liberal (cadê o R$ 1 trilhão em privatizaç­ões?) para ficarmos só nos grandes temas.

Figurativa­mente, alguns grupos de bolsonaris­tas já começaram a quebrar tudo. É o caso da molecada do MBL, que passou recentemen­te a defender o impeachmen­t.

Como não sou bolsonaris­ta, não me sinto traído. Não posso nem dizer que tenha ficado surpreso com a quebra de promessas. Quem acreditou que o rei dos esquemas de baixo clero da Câmara (Wal do açaí, apartament­o funcional “para comer gente”) iria atuar contra a corrupção o fez por conta e risco.

Devo, porém, confessar que estou dividido em relação à minha torcida. Em nome da decência, adoraria ver Bolsonaro impedido —e penso que iniciar o processo é um imperativo moral. Mas, para que o afastament­o se torne uma hipótese realista, a economia e a pandemia precisaria­m piorar. A conta consequenc­ialista, que faltam elementos para resolver, é se o Brasil perde mais com um agravament­o agudo das condições econômicas e sanitárias ou com a permanênci­a de Bolsonaro até 2022.

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