Folha de S.Paulo

As pistas deixadas pelo miliciano

- Cristina Serra

brasília Pouco antes de morrer, o ex-PM Adriano da Nóbrega disse a seu advogado que temia ser assassinad­o como queima de arquivo. Dias depois, em 9 de fevereiro do ano passado, Adriano morreu em suposta troca de tiros com a polícia, ao resistir à tentativa de captura em Esplanada (BA). A perícia revelou que ele recebeu dois tiros a curta distância.

Adriano era apontado como chefe do Escritório do Crime, grupo de extermínio que cobrava até R$ 1,5 milhão para assassinat­os por encomenda. Sua história é um retrato de como o aparelho estatal, o poder político e a criminalid­ade se entrelaçam. Adriano foi “caveira” da tropa de elite da PM e braço armado do jogo do bicho até ser expulso da corporação e se lançar de vez no crime.

No comando da milícia, expandiu vasta rede de negócios ilícitos, como extorsão, agiotagem, grilagem de terras, transporte e fornecimen­to clandestin­o de TV a cabo, luz e gás. Até aí, a história do ex-PM não difere da de muitos outros agentes do Estado que viraram bandidos. O que o distingue são seus vínculos estreitos com a família Bolsonaro.

O miliciano conseguiu emprego para a mãe e a ex-mulher no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro por meio do notório Fabrício Queiroz, operador do esquema das rachadinha­s. Investigaç­ões mostram também que empresas controlada­s por Adriano lavaram parte do dinheiro desviado.

Em sua rota de fuga, o miliciano teria passado por sete estados. Se tivesse sido capturado vivo, talvez pudesse ter esclarecid­o não só a rede de proteção que o manteve foragido durante um ano como a extensa lista de crimes atribuídos a ele e a seus cúmplices.

Quase um ano depois, sua morte suscita muitas perguntas. Adriano teria sido atraído para uma armadilha ao esconder-se no sítio de um vereador do PSL? Por que temia ser morto numa queima de arquivo? Qual o conteúdo dos 13 celulares e chips apreendido­s com ele e até hoje em sigilo ? Mortos não falam, mas deixam pistas que falam por eles.

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