Implosão do DEM afeta tabuleiro da candidatura de João Doria em 2022
Aliados de tucano veem chance de aglutinar forças após baque e estudam convidar Maia para PSDB
A implosão do DEM às vésperas da eleição para o comando do Congresso afetou diretamente o tabuleiro dos estrategistas da provável candidatura do governador João Doria (PSDB-SP) à Presidência em 2022.
Um dos primeiros efeitos da crise poderá ser a migração do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) para o tucanato, já que sua permanência no DEM presidido pelo ex-prefeito de Salvador ACM Neto é vista como inviável.
Os dois políticos romperam em torno da eleição do sucessor de Maia como presidente da Câmara. ACM Neto preferiu liberar a bancada do partido para apoiar o candidato de Jair Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), em detrimento ao nome de Maia, Baleia Rossi (MDB-SP).
A ida de Maia para o PSDB já está em discussão. Ele e Doria formaram uma aliança próxima nos dois últimos anos. Aliados de ambos viram no gesto de ACM Neto apenas o interesse imediato do baiano, que é ter uma aliança forte para tentar tirar o PT do governo baiano no ano que vem.
O impacto para Doria não é desprezível. Ele e Maia articulavam, desde meados de 2020, uma união entre seus partidos e o MDB visando construir a frente para disputar com Bolsonaro, presumivelmente com o tucano na cabeça.
DEM e MDB deixaram o bloco do centrão na Câmara e, na eleição para prefeitura paulistana, estiveram juntos com Bruno Covas (PSDB) — os emedebistas levaram a vaga de vice na chapa vencedora.
No governo estadual, o DEM tem o vice de Doria, Rodrigo Garcia, e a promessa de que ele será o candidato em 2022.
Num primeiro momento, diz um interlocutor do governador, o racha bagunçou o cenário. O partido agora deverá se integrar ainda mais ao governo Bolsonaro, e a ideia de que iria de Doria ou tentaria promover um nome como Luciano Huck parece distante.
Há uma questão adicional: o vice-governador paulista também tende a deixar o seu partido num cenário de guerra civil aberta no DEM. Uma eventual ida dele ao PSDB resolveria a queixa no tucanato com a prevista perda da titularidade, caso o grupo vença a eleição paulista no ano que vem.
Um outro aliado de Doria acredita, contudo, que há um efeito secundário que pode beneficiar a oposição. Tal implosão adiantou o relógio da disputa presidencial, que começaria a bater mais forte no meio do segundo semestre.
Ele vê a possibilidade de uma aceleração do processo de aglutinação de forças, dentro e fora do Congresso, devido à leitura de que o agravamento da crise sanitária e econômica seguirá cobrando popularidade de Bolsonaro.
O movimento também deverá ter implicações diretas dentro do PSDB. O grupo da chamada velha guarda, organizado em torno do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, considera o deputado Aécio Neves (MG) o líder da divisão da bancada federal.
Aécio contava mais de 15 dos 31 votos tucanos para Lira, apesar do apoio formal a Baleia. Na noite de domingo (31), houve um movimento para inclusive retirar a presença do PSDB na chapa do MDB, mas ele foi abortado na manhã de segunda por ação direta de Doria junto à bancada.
O próximo passo deverá ser um expurgo nos quadros tucanos, a começar por aqueles que estão na mira da Justiça, como é o caso de Aécio.
No cálculo dos aliados de Doria, esse processo seria virtuoso em favor da frente contra Bolsonaro. Um dirigente do centrão tem uma avaliação diferente: acredita que ACM Neto, de uma só vez, desestruturou o DEM e o PSDB. (MDB-SP), candidato que ele escolheu para sua sucessão.
O processo de renovação da presidência da Câmara joga sombras sobre o futuro do deputado, hoje com 50 anos.
Em uma frente, há a perda de ascendência sobre a própria sigla, da qual era considerado um dos caciques. Em outra, diminuem suas chances de ser protagonista nas articulações de partidos de centro-direita que buscam uma alternativa, em 2022, a Bolsonaro na Presidência.
A decisão de saída do DEM do bloco articulado por Maia foi capitaneada pelo presidente da sigla, até então um dos seus maiores aliados, ACM Neto, ex-prefeito de Salvador.
O choque de Maia foi tão grande, segundo relatos de aliados, que o deputado, com o dedo em riste em direção a ACM Neto, afirmou que iria ao STF caso a sigla migrasse para o bloco de Arthur Lira.
Em ligação telefônica dias atrás, ele chegou a dizer a ACM que o DEM corre o risco de virar o “partido da boquinha” pela forte atuação do Planalto na oferta de cargos e verbas a obras apadrinhadas pelos deputados, o que incluiu parlamentares da sigla.
Como mostrou o Painel, o presidente do DEM foi chamado de traidor, e Maia avisou ao correligionário que deixaria o partido. Ao longo da madrugada desta segunda, o ainda presidente da Câmara trocou mensagens com Neto e outros parlamentares que tentaram demovê-lo da ideia.
Maia, no entanto, permanecia irredutível até a noite. São apontados como possíveis destinos o PSDB e o PSL.
A avaliação de pares de Maia é que ele disse que sairia do DEM no calor da emoção. A impulsividade, um dos traços de sua personalidade, também é o argumento encontrado por pessoas próximas para justificar as ameaças de que daria aval a um pedido de impeachment contra Bolsonaro no último dia de gestão.
Em resposta à ameaça, Bolsonaro disse nesta segunda desejar que seu desafeto “seja feliz” e que “tudo acaba um dia”. “Meu mandato vai acabar um dia. Nós devemos nos preparar para este momento aí.”
Ainda nesta segunda, Maia disse que nunca afirmou que acataria um dos pedidos de impeachment. “Vocês ficam ouvindo as pessoas e não confirmam comigo”, disse o parlamentar, que foi alvo durante todo o dia de uma “operação acalma Maia” feita por aliados e integrantes do governo.
A culpa de parte da derrocada de Maia é atribuída por pessoas próximas e integrantes do DEM ao próprio deputado.
No ano passado, Maia segurou ao máximo a definição sobre sua sucessão, acalentando, nos bastidores, a possibilidade de concorrer a mais um mandato. No centrão, a candidatura de Lira vinha sendo trabalhada havia alguns anos.
A pá de cal nas pretensões de Maia veio com a decisão do Supremo que vetou a possibilidade de reeleição dele e de Davi Alcolombre (DEM-AP) —o que trouxe, como fator adicional, o rompimento com o senador, que creditou a decisão do STF à insistência de Maia de concorrer ao quarto mandato consecutivo.
Maia também teve dificuldade de definir seu candidato. Após a escolha de Baleia, alguns dos preteridos passaram a atuar como adversários, em especial Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Elmar Nascimento (DEM-BA), ex-líder da bancada.
Por fim, a costura de Alcolumbre com o Planalto para emplacar Rodrigo Pacheco (DEM-MG) como presidente do Senado também contribuiu para minar o capital político de Maia e de seu candidato, já que o apoio do centrão a Pacheco inibiu ações mais contundentes dentro do próprio DEM em prol de Baleia.
Nesta segunda, horas antes da eleição da Mesa Diretora, em novo capítulo da guerra que foi deflagrada entre parlamentares considerados independentes e aliados de Bolsonaro, Maia protagonizou um bate-boca com Lira durante reunião da direção da Câmara.
Eles discutiram em torno de um entrave com o PT nas regras de ocupação dos demais cargos da Mesa Diretora.
Segundo relatos, Maia disse a Lira que ele não estava em Alagoas —depois que o candidato de Bolsonaro deu um tapa na mesa. Lira rebateu afirmando que Maia não estava em um morro no Rio.
Não só as derrotas políticas conspiram contra o futuro político de Maia. A perda do poder de quatro anos e meio que o credenciou como uma das principais vozes da República, a ponto de o seu apoio assegurar mandatos (no caso de Michel Temer) ou barrar ações presidenciais (no caso de Bolsonaro), se esvai quase que instantaneamente.
Desde a redemocratização do país, é bem maior a lista de presidentes da Câmara que deixaram o poder para um relativo ostracismo —ou para um destino pior, a cadeia— do que aqueles que saíram de lá para alçar maiores voos.
Dos antecessores de Maia neste século, apenas dois assumiram papel de maior relevo, mas ambos, Michel Temer e Aécio Neves (PSDB-MG), tinham forte ascendência sobre os seus partidos, situação bem diferente da de Maia atualmente.