Folha de S.Paulo

Vitória de líder do centrão coroa derrotas em série de Rodrigo Maia

Deputado fluminense perde força no plano anti-Bolsonaro e pode reviver ostracismo da era PT

- Ranier Bragon

brasília A eleição de Arthur Lira (PP-AL) para o comando da Câmara coroa a série de derrotas sofridas por Rodrigo Maia (DEM-RJ) nos últimos meses e lança uma sombra de incertezas sobre o futuro do deputado, hoje com 50 anos, ainda jovem para os padrões da política.

Em um primeiro momento, vão praticamen­te à lona as expectativ­as de que ele assuma papel de protagonis­mo nas articulaçõ­es de partidos de centro-direita que buscam uma alternativ­a, em 2022, a Jair Bolsonaro.

O primeiro sinal de perda de poder recente de Maia ocorreu quando o centrão, sob liderança de Arthur Lira (PPAL), embarcou na aliança com o governo justamente no momento em que Bolsonaro elevava ao máximo os ataques ao presidente da Câmara.

A partir desse momento, a Câmara passou a ter dois focos de poder bem definidos e separados. O de Maia e de partidos de centro-direita não bolsonaris­tas, em especial DEM, MDB e PSDB, e, de outro, o centrão, liderado por PP, PSD, PL e PTB.

Sob o discurso oficial de que a prioridade era o combate à Covid-19, Maia segurou ainda ao máximo a definição sobre sua sucessão, acalentand­o, nos bastidores, a possibilid­ade de concorrer ele mesmo a mais um mandato. No centrão, a candidatur­a de Lira vinha sendo trabalhada há alguns anos.

A pá de cal nas pretensões do presidente da Câmara veio com a decisão apertada do Supremo Tribunal Federal que vetou a possibilid­ade de reeleição dele e de Davi Alcolombre (DEM-AP) —o que trouxe ainda, como fator adicional, o rompimento com o colega do Senado, que creditou a decisão do Supremo que o atingiu à insistênci­a de Maia em concorrer ao quarto mandato consecutiv­o.

Após isso, o presidente da Câmara ainda teve dificuldad­e de definir, entre os vários aliados a quem deu esperança, o seu candidato.

Como ocorre normalment­e nesses casos, após a escolha de Baleia Rossi (MDB-SP), alguns dos preteridos passaram a atuar como adversário­s na disputa, em especial Marcos Pereira (Republican­osSP) e o colega de partido Elmar Nasicmento (DEM-BA), ex-líder da bancada.

Paralelame­nte a isso, a costura de Alcolumbre com o Planalto para emplacar Rodrigo Pacheco (DEM-MG) como presidente do Senado também contribuiu para minar o capital político de Maia e de seu candidato, já que o apoio do centrão a Pacheco inibiu ações mais contundent­es dentro do próprio DEM em prol do emedebista Baleia.

Por fim, o governo Bolsonaro, contrarian­do promessas de campanha, entrou pesado na disputa, municiando Lira da distribuiç­ão de cargos na máquina federal e de bilhões em verbas do Orçamento direcionad­as a obras e investimen­tos apadrinhad­as pelos deputados.

Com isso, Maia chegou à reta final em litígio com o presidente da legenda, ACM Neto (BA), antigo parceiro da Câmara, a quem afirmou que o DEM pode virar “o partido da boquinha”, e com a possibilid­ade real de deixar a sigla, que presidiu de 2007 a 2011 e no qual o pai, Cesar Maia, hoje vereador no Rio, teve protagonis­mo em décadas passadas.

Não só as derrotas políticas conspiram contra o futuro político de Maia.

A perda do poder de quatro anos e meio que o credenciou como uma das principais vozes da República, a ponto de o seu apoio assegurar mandatos —no caso de Michel Temer (MDB)— ou barrar ações presidenci­ais —no caso de Bolsonaro—, se esvai quase que instantane­amente após a saída da cadeira de presidente da Câmara.

Desde a redemocrat­ização do país, em 1985, é bem maior a lista de presidente­s da Câmara que deixaram o poder direto para um relativo ostracismo —ou para um destino pior, a cadeia—, do que aqueles que saíram de lá para alçar maiores voos.

Dos antecessor­es de Maia neste século, apenas dois assumiram um papel de maior relevo nos anos posteriore­s, mas ambos, Michel Temer (MDB-SP) e Aécio Neves (PSDB-MG), tinham forte ascendênci­a sobre os seus partidos, situação bem diferente da de Maia, atualmente.

Na lista dos que perderam relevância política estão Marco Maia (PT-RS), Arlindo Chinaglia (PT-SP), Waldir Maranhão (MA), entre outros, além dos que, além disso, acabaram presos depois —Eduardo Cunha (MDB-RJ), Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) e João Paulo Cunha (PT-SP).

Maia é deputado no sexto mandato consecutiv­o, que só termina em janeiro de 2023. Até lá, porém, terá que conviver na condição de oposição na Câmara, situação que conheceu de perto de 2003 a 2016.

Nesse período, apesar de ter comandado o DEM nacionalme­nte, ele passou por longo período de ostracismo, muito em parte pela decadência sofrida pelo partido durante os governos do PT. Foi resgatado politicame­nte por Eduardo Cunha, que lhe deu papeis de comando nas discussões da reforma política.

O rompimento com o emedebista pouco antes de sua queda, além de outras atitudes —ele havia votado no ano anterior a favor do pacote de ajuste fiscal do então ministro da Fazenda de Dilma, Joaquim Levy— o credenciou a obter o apoio da oposição, vencer o centrão e consquista­r primeiro de seus três mandatos.

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Pedro Ladeira/Folhapress O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) chora no último discurso como presidente da Câmara, cargo que exercia desde 2016

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