Folha de S.Paulo

Araújo fracassa em pedido por aviões militares dos EUA

Aeronaves transporta­riam oxigênio a Manaus; negociação prevê reembolso

- Vinicius Sassine e Ricardo Della Coletta

brasília Depois de 18 dias de tentativas frustradas, o ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) fracassou na busca urgente por aviões militares dos EUA para o transporte de oxigênio a Manaus. Na rodada mais recente de negociaçõe­s, uma nova condição surgiu para essa ajuda: o reembolso pelo transporte aéreo americano.

Esse tipo de condição, em que o governo brasileiro faz uma restituiçã­o de gastos pelo uso do equipament­o, não é comum em ações de ajuda humanitári­a. Pelo menos uma cessão de aeronaves por um país em um contexto de crise no passado foi feita sem pagamentos por parte do Brasil, segundo a Folha apurou.

Araújo tenta a liberação de aviões cargueiros militares dos EUA desde o primeiro dia de colapso dos hospitais em Manaus, no dia 14. Para isso, o ministro tentou fazer uso da boa relação com o governo de Donald Trump, que caminhava para o ocaso naquele momento. Joe Biden assumiu a Presidênci­a dos EUA no dia 20 deste mês.

O presidente Jair Bolsonaro foi um dos últimos a reconhecer a vitória de Biden. Além disso, compartilh­ou por diversas vezes, até os dias que antecedera­m a posse do democrata, a suspeita infundada de que houve fraude na eleição americana.

Araújo falou por telefone com o secretário de Estado no governo Trump, Mike Pompeo, para pedir a liberação de aviões cargueiros militares. Os documentos do governo brasileiro sobre essas tratativas falam em “pronta manifestaç­ão dos EUA em colaborar” e na disposição do país em oferecer “ajuda”.

Os aviões nunca chegaram. A partir do dia 17, o Itamaraty passou a pedir ainda, em tratativas com a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, doações de oxigênio. Essas doações também não existiram.

No começo da semana passada, as negociaçõe­s diplomátic­as sobre a disponibil­ização dos aviões militares passaram a prever a necessidad­e de reembolso, em caso de liberação das aeronaves. A informação foi registrada em relatórios da Casa Civil da Presidênci­a, que fazem atualizaçõ­es diárias sobre a atuação do governo federal no Amazonas.

As discussões sobre a disponibil­idade de aeronaves, com a condição do reembolso, começaram a ser feitas no dia 25. Naquele momento, Biden já estava na cadeira de presidente há cinco dias.

Segundo documento da Casa Civil, a tratativa em curso no Itamaraty é: “Oferta norteameri­cana de transporte aéreo militar dos EUA, sujeito a reembolso, para enviar oxigênio líquido ao estado do Amazonas, assim como outras alternativ­as locais para atender à demanda daquele estado”.

O objetivo da ação, cita a Casa Civil, é ampliar a oferta de voos de cargueiros para o Amazonas. A Força Aérea Brasileira já faz transporte­s de oxigênio ao estado, desde a véspera do colapso definitivo dos hospitais.

Participam das tratativas o Itamaraty, a ABC (Agência Brasileira de Cooperação) e a Embaixada dos EUA em Brasília.

A Folha contatou a embaixada para saber os termos das negociaçõe­s, por que o reembolso passou a ser previsto e de que forma isso ocorreria. A missão diplomátic­a não respondeu às perguntas.

Numa nota divulgada na noite de quinta-feira (28), a Embaixada dos EUA deixa transparec­er o insucesso das tratativas diplomátic­as para o fornecimen­to das aeronaves militares.

“Durante a deliberaçã­o do governo dos EUA, do Brasil e do estado do Amazonas sobre as possibilid­ades de apoio aéreo, o governo brasileiro encontrou maneiras mais aceleradas de resolver as necessidad­es imediatas do estado e continuará seus esforços para explorar outras opções para o transporte de oxigênio”, afirma a nota.

Segundo a embaixada, os EUA “continuam a fomentar conversas regulares com o governo federal sobre a situação em Manaus.”

O Itamaraty, em nota, afirma que as discussões com os EUA não se restringem aos pedidos por transporte aéreo de oxigênio. O ministério cita aquisições de insumos hospitalar­es, construção de usinas de oxigênio e doação de ventilador­es pulmonares, resultados da “cooperação brasileira com o recém-empossado governo dos EUA”.

O governo federal passou a buscar meios alternativ­os de transporte do insumo. “O Brasil e os EUA seguirão em coordenaçã­o sobre o tema e os resultados refletem a qualidade do diálogo estabeleci­do pelo governo brasileiro com o governo norte-americano.”

A Embaixada dos EUA diz que o país vem ajudando o Amazonas com doações em dinheiro (R$ 300 mil), equipament­os de proteção a trabalhado­res da área de saúde e repasses de R$ 1,6 milhão para um programa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). O dinheiro será usado na construção de usinas de oxigênio, diz a embaixada.

A iniciativa envolve entidades e a Usaid (Agência dos EUA para o Desenvolvi­mento Internacio­nal). “Desde o início da pandemia, o governo dos EUA tem se comprometi­do em ajudar os amigos brasileiro­s. A embaixada adotou uma abordagem estratégic­a para ajudar a desenvolve­r soluções de curto e longo prazo para a produção local de oxigênio”, afirma a nota.

As dificuldad­es nas negociaçõe­s com os Estados Unidos contrastam com posição do governo da Venezuela. O ditador Nicolás Maduro se prontifico­u a enviar oxigênio a Manaus, numa ação usada por seu regime como uma vitória diplomátic­a sobre Bolsonaro. Remessas do insumo foram efetivadas, do estado de Bolívar, na fronteira com Roraima, até Manaus.

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Bruno Kelly -31.jan.21/Reuters Diego Neves da Silva, com Covid, recebe ajuda do amigo Paulo Vitor da Silva, em sua casa, em Manaus

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