Folha de S.Paulo

Com saúde em colapso, Amazonas tem custo de R$ 1 milhão por mês em estádio sem uso

- Gabriel Veras

manaus Em contraste com o cenário caótico que Manaus enfrenta desde o mês passado por causa da escalada de casos de Covid-19, a Arena da Amazônia se destaca na paisagem como uma estrutura ociosa a poucos metros de duas unidades hospitalar­es da capital.

O estádio foi construído para a Copa do Mundo de 2014, da qual Manaus foi uma das sedes, com investimen­tos de R$ 669 milhões, pagos pelo governo do Amazonas e com financiame­nto do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvi­mento Econômico e Social).

Os custos milionário­s das obras para o Mundial levaram a protestos em todo o país em 2013 e 2014. Na época, Ronaldo, ex-atacante da seleção brasileira, defendeu os gastos e disse que “não se faz Copa com hospitais”.

Hoje, a Arena da Amazônia está fechada e os jogos foram transferid­os para outros estados em virtude das restrições de circulação no estado e da falta de leitos para atender atletas. Um decreto estadual em vigor desde 4 de janeiro suspende a realização de eventos no Amazonas.

Segundo a Fundação Amazonas de Alto Rendimento, órgão estadual que administra os espaços esportivos do estado, os gastos com a manutenção do estádio são de cerca de R$ 1 milhão por mês.

O principal estádio manauara luta contra a fama de “elefante branco”. Antes do fechamento, recebia jogos do campeonato amazonense, de competiçõe­s nacionais e de um campeonato local de futebol amador, além de partidas de outros esportes como rúgbi e futebol americano.

O uso mais frequente da Arena, no entanto, está no seu espaço multifunci­onal, que recebe eventos como feiras, exposições, bazares, festas, shows e até mesmo blocos de Carnaval.

Com área de 84 mil metros quadrados e capacidade para 44,8 mil pessoas, a Arena teve seu recorde de público em agosto de 2019, quando o Manaus FC enfrentou o Brusque na final da série D do Campeonato Brasileiro e levou 44.896 pagantes ao estádio.

Procurada, a Fundação Amazonas de Alto Rendimento não deu detalhes sobre o faturament­o da Arena da Amazônia.

No início da pandemia, o deputado federal José Ricardo (PT-AM) defendeu a instalação de um hospital de campanha na Arena da Amazônia. No fim de dezembro, com o recrudesci­mento da pandemia, voltou a pedir a implantaçã­o da estrutura médica, o que ele classifico­u como uma medida urgente.

Ele avalia que a implantaçã­o do hospital no espaço iria desafogar o sistema de saúde e destacou a localizaçã­o central do estádio, em uma das principais avenidas de Manaus, o que, segundo ele, facilitari­a o acesso.

“Tem muito espaço nas áreas laterais, espaços que são utilizados para eventos, num local amplo e adequado para a implantaçã­o de um hospital de campanha”, destacou o deputado.

A medida foi adotada em outras capitais, onde estádios foram adaptados para atender a demanda pela ampliação de leitos durante a pandemia. Em São Paulo, o estádio do Pacaembu foi um dos primeiros a receber estrutura hospitalar para acolher pacientes com Covid-19.

O mesmo aconteceu em estádios como a Arena Fonte Nova, em Salvador, o Presidente Vargas, em Fortaleza, o Mané Garrincha, em Brasília, e o Canarinho, em Boa Vista.

Em dezembro do ano passado, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciou a reativação do hospital de campanha estadual, erguido em um hospital universitá­rio desativado. Na ocasião, ele disse que estava fazendo “a maior ampliação da capacidade da saúde pública na história do estado”.

O esforço, no entanto, não foi suficiente para evitar o colapso no sistema de saúde. Com a alta nas internaçõe­s por Covid-19, no dia 14 de janeiro a capital entrou em crise com a falta de leitos e de oxigênio na rede pública e privada.

A taxa de ocupação dos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) é de 94,3% e médicos relataram à Folha que precisam escolher quais pacientes receberão atendiment­o.

Em nota, o governo afirmou que o plano estadual de contingênc­ia da Covid-19 já prevê a implantaçã­o de estruturas de retaguarda no sistema de saúde e que a unidade está sendo montada, sem detalhar como e quando o hospital começará a receber pacientes.

A gestão estadual também não falou sobre as possibilid­ades de uso para a Arena da Amazônia, que, sem jogos e sem hospital de campanha, segue fechada.

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