Folha de S.Paulo

Motoristas autônomos pagam o preço de frota antiga

Veículos consomem mais e têm menor capacidade de carga; idade média dos caminhões é de 18,6 anos

- Eduardo Sodré

são paulo As imagens dos caminhões parados nas estradas na greve de 2018 e nos poucos protestos desta segunda (1º) mostram um problema do setor de transporte­s no Brasil: a idade da frota.

Modelos produzidos nas décadas de 1980 e 1990 —em sua maioria dirigidos por motoristas autônomos— aparecem em meio a veículos modernos dos grandes frotistas.

De acordo com a pesquisa Perfil dos Caminhonei­ros 2019, feita pela CNT (Confederaç­ão Nacional do Transporte), a idade média dos caminhões usados por autônomos é de 18,6 anos.

O peso da idade é refletido nos dados sobre frota circulante levantados em 2019 pelo Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componente­s para Veículos Automotore­s). Segundo a entidade, cerca de 340 mil veículos pesados que circulam pelo país têm mais de 16 anos de uso.

Quanto mais antigo, mais poluente e menos eficiente. Os motores a diesel emitem óxido de nitrogênio, composto cancerígen­o, e particulad­os, o que exige leis para forçar a constante evolução da indústria.

A comparação entre modelos produzidos em 1994, ano em que entrou em vigor a terceira etapa do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotore­s), e os atuais mostra uma significa redução das emissões desses poluentes.

“Há um efeito prático percebido. As rodoviária­s, por exemplo, não têm mais o cheiro ruim de fumaça do passado”, diz Luis Pasquotto, presidente da Cummins Brasil.

Segundo o executivo, o Proconve 7, que entrou em vigor em 2012, possibilit­ou a redução de 89% na emissão de óxido nitroso e de 97% na de particulad­os. Esse poderia ter sido um momento de virada com a adoção de um programa nacional para renovação da frota, o que não ocorreu.

Na época, planos anunciados no Rio e em São Paulo previam medidas de incentivo para estimular a troca de modelos antigos por unidades mais novas.

Frotistas compraram caminhões a juro negativo por meio das linhas do Finame, programa do BNDES voltado para o financiame­nto de máquinas e veículos pesados. Foram liberados R$ 18,7 bilhões em recursos em 2012.

Entretanto, não houve um plano concreto de auxílio aos motoristas autônomos, que tinham mais dificuldad­e para acessar linhas de crédito e nenhum benefício caso resolvesse­m entregar seus veículos antigos, como abatimento de multas. Sem estímulo, mantiveram a frota envelhecid­a, o que fomenta a valorizaçã­o no mercado de usados.

Paulo Cardamone, sócio da consultori­a Bright, afirma que há veículos pesados produzidos nos anos 1990 que ainda valem R$ 100 mil, ou até mais. É uma distorção gerada pela falta de um plano que possibilit­e atualizar a frota.

Ele participou da elaboração de propostas para renovação apresentad­as nos últimos anos. Um dos entraves que encontrou tem origem na natureza dos projetos: são impopulare­s, o que dificulta a aprovação por estâncias governamen­tais.

“A renovação acontece se tiver inspeção veicular e reciclagem, e o programa tem que ser legislado a nível federal”, diz o consultor.

“A inspeção, se bem desenhada, poderia gerar acima de R$ 12 bilhões por ano, com geração de milhares de empregos. Já a reciclagem poderia movimentar uma indústria de R$ 60 bilhões.”

Além de poluir menos e ser mais seguro, um caminhão atual têm maior capacidade de carga e menor consumo.

Hoje um veículo pesado como o Mercedes Actros faz a média de 2,3 km/l transporta­ndo 50 toneladas, segundo a fabricante. Fabricado de 1969 a 1987, o modelo 1113 da mesma montadora registra média de 2 km/l transporta­ndo apenas dez toneladas.

Com mais de 200 mil unidades produzidas, o 1113 ainda é comum nas estradas e nas imagens dos protestos de caminhonei­ros.

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