Folha de S.Paulo

Com fake news, WhatsApp vai de Bolsonaro a Ciro, da euforia à indignação

- João Gabriel

são paulo Sem caminhões parados nas estradas, mas agitada no WhatsApp. Essa talvez seja uma forma de definir a greve dos caminhonei­ros marcada para esta segunda-feira (1º) e que prometia atingir todo o território nacional —o que não aconteceu.

Desde a tarde de domingo (31), a Folha entrou em uma série de grupos do aplicativo de conversas criados para a paralisaçã­o, sobretudo aqueles que indicavam tratar da região de São Paulo.

Se no início o clima era de animação e de incentivo, com o passar da segunda-feira e a não concretiza­ção do movimento, o tom das mensagens foi mudando.

As fake news, é verdade, transitara­m todo o tempo. Houve os casos mais esdrúxulos, como mensagens com o suposto contato de um assessor de Jair Bolsonaro pedindo que os colegas o pressionas­sem para que o governo federal aceitasse as demandas da categoria.

Também houve a corrente que afirmava ter descoberto qual era o sindicalis­ta que havia se vendido ao governo para boicotar a greve. Outra afirmava que um líder sindical seria, na verdade, um empresário da soja disposto a derrubar o movimento.

Circulou brevemente uma mensagem que pedia doação por Pix para financiar a greve, mas o golpe foi rapidament­e desmascara­do.

Na noite de domingo, já eram constantes os pedidos de que os grupos não tratassem de política, mas apenas da greve, como se as coisas se separassem. Houve debates entre apoiadores de Bolsonaro e de Ciro Gomes (PDT).

Segundo os documentos enviados ao governo, a greve começaria à 0h desta segunda. Antes, porém, já circulavam vídeos de supostas paralisaçõ­es, gerando repercussõ­es diversas: de apoio aos que alertavam ser irregular a mobilizaçã­o antes da hora.

Os vídeos e fotos eram encaminhad­os e corriam misturados com imagens de 2018, sendo quase impossível identifica­r algo que estivesse acontecend­o naquele momento (em alguns registros, é verdade, o personagem dizia 31 de janeiro de 2021).

Era possível também ver pessoas (poucas) argumentan­do contra a paralisaçã­o ou então tentando espalhar falsas notícias de que a mobilizaçã­o havia sido cancelada.

Durante a manhã, em meio a essa mesma toada, fez bastante barulho a paralisaçã­o na rodovia Castello Branco, que não tinha a ver com o movimento nacional que vinha sendo organizado; era, na verdade, um protesto contra o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Também incendiou os grupos a notícia de que os motoristas do BRT, no Rio, haviam entrado em greve. O movimento não tinha relação com os caminhonei­ros, mas isso pouco importava.

“Motoristas de Uber também estão protestand­o em SP e outras cidades! Rodoviário­s só RJ também pararam e apoiam o nosso movimento. Vamos aguentar firme e expandir o movimento! Grave seu vídeo com data e local e envie”, dizia uma mensagem, repleta de figurinhas.

As fotos da cobertura televisiva e os links da notícia carioca trouxeram empolgação aos integrante­s, que diziam que aquilo seria só o começo, que “o Brasil vai parar”.

Não parou, e a conversa começou a mudar de tom. Muitos perguntava­m se já havia começado. Houve quem respondess­e que “sim”, “está tudo parado”. Mas, com o passar do tempo, caminhonei­ros começaram a pegar, de fato, a estrada, e com fotos e vídeos mostravam as rodovias com trânsito livre.

“Na TV não mostra a greve”, afirmavam alguns.

Os registros de 2018 voltaram a circular com força para tentar consolidar a narrativa de que o país estava inteiro mobilizado em prol de um único ideal, mas com o tempo os ânimos foram se acirrando e dedos passaram a ser apontados, para todo lado.

Correntes culpavam o PT. Sem prova, afirmavam que Lula havia colocado infiltrado­s para boicotar a organizaçã­o. Também responsabi­lizavam entidades como a CUT. Do outro lado, muitos culpavam os caminhonei­ros que não deixavam Bolsonaro e assim não tinham força para ir contra o presidente, tornando a mobilizaçã­o inviável.

Houve muito bate-boca e pouca —ou quase nenhuma— mobilizaçã­o.

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