Com fake news, WhatsApp vai de Bolsonaro a Ciro, da euforia à indignação
são paulo Sem caminhões parados nas estradas, mas agitada no WhatsApp. Essa talvez seja uma forma de definir a greve dos caminhoneiros marcada para esta segunda-feira (1º) e que prometia atingir todo o território nacional —o que não aconteceu.
Desde a tarde de domingo (31), a Folha entrou em uma série de grupos do aplicativo de conversas criados para a paralisação, sobretudo aqueles que indicavam tratar da região de São Paulo.
Se no início o clima era de animação e de incentivo, com o passar da segunda-feira e a não concretização do movimento, o tom das mensagens foi mudando.
As fake news, é verdade, transitaram todo o tempo. Houve os casos mais esdrúxulos, como mensagens com o suposto contato de um assessor de Jair Bolsonaro pedindo que os colegas o pressionassem para que o governo federal aceitasse as demandas da categoria.
Também houve a corrente que afirmava ter descoberto qual era o sindicalista que havia se vendido ao governo para boicotar a greve. Outra afirmava que um líder sindical seria, na verdade, um empresário da soja disposto a derrubar o movimento.
Circulou brevemente uma mensagem que pedia doação por Pix para financiar a greve, mas o golpe foi rapidamente desmascarado.
Na noite de domingo, já eram constantes os pedidos de que os grupos não tratassem de política, mas apenas da greve, como se as coisas se separassem. Houve debates entre apoiadores de Bolsonaro e de Ciro Gomes (PDT).
Segundo os documentos enviados ao governo, a greve começaria à 0h desta segunda. Antes, porém, já circulavam vídeos de supostas paralisações, gerando repercussões diversas: de apoio aos que alertavam ser irregular a mobilização antes da hora.
Os vídeos e fotos eram encaminhados e corriam misturados com imagens de 2018, sendo quase impossível identificar algo que estivesse acontecendo naquele momento (em alguns registros, é verdade, o personagem dizia 31 de janeiro de 2021).
Era possível também ver pessoas (poucas) argumentando contra a paralisação ou então tentando espalhar falsas notícias de que a mobilização havia sido cancelada.
Durante a manhã, em meio a essa mesma toada, fez bastante barulho a paralisação na rodovia Castello Branco, que não tinha a ver com o movimento nacional que vinha sendo organizado; era, na verdade, um protesto contra o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Também incendiou os grupos a notícia de que os motoristas do BRT, no Rio, haviam entrado em greve. O movimento não tinha relação com os caminhoneiros, mas isso pouco importava.
“Motoristas de Uber também estão protestando em SP e outras cidades! Rodoviários só RJ também pararam e apoiam o nosso movimento. Vamos aguentar firme e expandir o movimento! Grave seu vídeo com data e local e envie”, dizia uma mensagem, repleta de figurinhas.
As fotos da cobertura televisiva e os links da notícia carioca trouxeram empolgação aos integrantes, que diziam que aquilo seria só o começo, que “o Brasil vai parar”.
Não parou, e a conversa começou a mudar de tom. Muitos perguntavam se já havia começado. Houve quem respondesse que “sim”, “está tudo parado”. Mas, com o passar do tempo, caminhoneiros começaram a pegar, de fato, a estrada, e com fotos e vídeos mostravam as rodovias com trânsito livre.
“Na TV não mostra a greve”, afirmavam alguns.
Os registros de 2018 voltaram a circular com força para tentar consolidar a narrativa de que o país estava inteiro mobilizado em prol de um único ideal, mas com o tempo os ânimos foram se acirrando e dedos passaram a ser apontados, para todo lado.
Correntes culpavam o PT. Sem prova, afirmavam que Lula havia colocado infiltrados para boicotar a organização. Também responsabilizavam entidades como a CUT. Do outro lado, muitos culpavam os caminhoneiros que não deixavam Bolsonaro e assim não tinham força para ir contra o presidente, tornando a mobilização inviável.
Houve muito bate-boca e pouca —ou quase nenhuma— mobilização.