Divergência adia decisão sobre regras do 5G
Contrapartida maior que a prevista desagrada a teles e Guedes, e Anatel pede vista e paralisa processo que definirá leilão
brasília Divergências na política de investimento nas redes 5G determinadas pelo Ministério das Comunicações levaram o presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) a pedir, nesta segunda (1º), o adiamento da votação que definiria as regras do leilão previsto para junho.
Leonardo de Moraes paralisou o processo até o fim do mês com um pedido de vista. Ele considerou a existência de “pontos que ainda exigiam debate”.
Mesmo assim, 3 dos 5 conselheiros declararam voto favorável à proposta do relator, Carlos Baigorri —o que levantou suspeitas de um racha na Anatel em relação às regras do 5G. Os três votos sinalizam que existe maioria em torno da proposta do relator.
Embora haja pontos divergentes entre os conselheiros, o que pesou foi um impasse surgido no fim de semana entre o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN), e as operadoras de telefonia, que disputarão o certame.
Pessoas no governo que participaram das discussões no fim de semana afirmam que, no centro das controvérsias, está a portaria publicada na sexta-feira (29), em edição extraordinária do Diário Oficial, que definiu como parte das obrigações a cobertura de celular nas estradas federais e a construção de uma rede pública e fechada para o governo de Jair Bolsonaro.
Inicialmente, as operadoras não se opuseram a esse investimento que entrou no edital como uma das contrapartidas.
No arranjo acordado com o Planalto, seria uma forma de viabilizar a participação da chinesa Huawei na construção das redes privadas de 5G.
O governo ficaria com sua própria rede (fixa e móvel) sem equipamentos da gigante chinesa. Essa infraestrutura seria construída com dinheiro das teles para atender órgãos públicos federais em Brasília.
No entanto, a portaria foi publicadaincluindooutrosórgãos de segurança e fiscalização nos estados, o que tornaria a rede muito mais abrangente.
Além disso, as teles reclamaram ao ministro que, apesar de aceitarem a cobertura de celular em estradas federais, não esperavam que tantas rodovias fossem incluídas como contrapartida. A portaria contempla quase 50 mil quilômetros de estradas, mais que o dobro do combinado anteriormente.
A portaria também incomodou o ministro da Economia,
Paulo Guedes, que viu nas contrapartidas exigidas uma tentativa do governo de impedir a privatização da Telebras.
Isso porque, assim que ficar pronta, essa rede passará para o controle da União, e a Telebras surgiria naturalmente como operadora, já que um decreto da gestão Michel Temer vincula a estatal à prestação de serviços relacionados a políticas públicas.
As controvérsias levaram Faria a rever a portaria, o que deve ocorrer até esta terça (2).
Por meio de sua assessoria, o ministro informou que a portaria com as diretrizes do governo para o leilão 5G está “alinhada com a política econômica do governo”.
“O Ministério das Comunicações entende que a implantação e operação dessa rede [privativa do governo] deve ser realizada por quem promova a maior eficiência no que diz respeito a técnica e preço, além do cumprimento dos pré-requisitos de segurança e confiabilidade. A infraestrutura poderá ser executada por qualquer empresa/instituição, ainda que sejam necessárias alterações no decreto nº 9.612/2018 [que sustenta a portaria], ou pela Telebras, em última análise”, disse em nota enviada à Folha.
A resposta indica somente que o ministério poderia considerar abrir essa prestação de serviço para outras empresas, além da Telebras, e sinaliza que a estatal não será retirada do programa de desestatização.
Também pesaram para o pedido de vista outros aspectos técnicos que o relator colocou no texto sem uma discussão mais ampla com os demais integrantes do conselho.
Pelas regras do leilão, o que a agência considerar contrapartida será abatido do valor do lance de cada faixa de frequência. Ou seja, o leilão do 5G não deve ser arrecadatório.
Serão quatro faixas de frequências, e, na faixa de 3,5 GHz, mais comumente usada para o 5G, uma das obrigações será a construção da rede privativa para o governo Bolsonaro. Frequências são como avenidas no ar por onde as teles fazem trafegar seus sinais. Fora delas há interferências.
As teles esperavam abater do lance mínimo dessa faixa os investimentos realizados nas redes existentes por onde elas já prestam o serviço 5G.
No entanto, para o relator, seria como permitir que a União contratasse uma “Ferrari” (rede 5G puro-sangue, conhecida como Stand-Alone) e, ao final, tivesse que aceitar a entrega de “um Fusca”.