Folha de S.Paulo

Cade resguarda política de Estado e em 2021 estará muito bem, obrigado

- Alexandre Cordeiro Superinten­dente-geral do Cade

Para além do choque exógeno causado pela crise covidiana, um dos aspectos de maior inseguranç­a em toda a pandemia foi a impossibil­idade de dimensiona­r adequadame­nte a variável tempo.

Assim, diferentem­ente das situações pontuais de emergência que caracteriz­am as crises comuns, a pandemia desafiou o direito concorrenc­ial, não só pela insuficiên­cia de oferta e elevação dos preços como também pela necessidad­e de cooperação entre concorrent­es, preços abusivos e o controle de fusões e aquisições com base na teoria da “failing firm defense”.

Os desafios concorrenc­iais foram enormes e ainda são. A maior preocupaçã­o foi intervir no exato limite do necessário para reestabele­cer a concorrênc­ia sem gerar falhas de governo.

Precisávam­os garantir a segurança jurídica a partir de regras claras e transparên­cia no processo decisório, conforme recomendaç­ões da OCDE.

Isso porque tanto o excesso de intervençã­o estatal (a partir do controle de preços, por exemplo) quanto o afrouxamen­to excessivo das regras antitruste geram incentivos perversos aos agentes.

Em meio às iniciativa­s legislativ­as que sugeriam tabelament­o de preços e afrouxaram excessivam­ente as regras antitruste, o Cade (Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica), para além de manter a eficiência, consolidou uma postura ortodoxa.

Os números da instituiçã­o não mentem. Foram 460 processos de fusão e aquisição analisados no prazo médio de 29 dias/processo. Foram 59 investigaç­ões instaurada­s, 17 processos administra­tivos, 17 acordos homologado­s e 17 processos de conduta julgados pelo tribunal.

Em meio a tudo isso o Cade foi eleito entre as três melhores agências antitruste do mundo pela Global Competitio­n Review e foi a única instituiçã­o pública no ranking dos cem lugares incríveis para trabalhar no Brasil.

Mais uma vez seguindo a coerência e a absoluta transparên­cia na sua atuação, o monitorame­nto de potenciais condutas anticompet­itivas das plataforma­s digitais pelo Cade procurou resguardar os agentes que adquirem seu market share por eficiência, e não por abuso de posição dominante. Nesse sentido, as famigerada­s “killer acquisitio­ns” seguiram sendo analisadas sob a ótica da centralida­de do bem-estar do consumidor.

A colaboraçã­o entre competidor­es surgiu como suposta solução mágica para enfrentame­nto da crise. Entre os pedidos, era possível encontrar coerência, mas também oportunism­o. Para tanto, não obstante a prejudicia­lidade da lei 14.010/2020 para a coerência da política antitruste brasileira, o Cade continuou analisando esses casos sob três óticas: sua excepciona­lidade; a demonstraç­ão do elemento de urgência; e o retorno do ambiente competitiv­o no pós-pandemia.

Outras duas questões muito discutidas foram a iminente falência de várias empresas e os preços abusivos. A expectativ­a era que se recebessem diversas notificaçõ­es de atos de concentraç­ão com fundamento da teoria da “failing firm defense”, o que não se confirmou.

Já em relação aos preços abusivos a situação foi diferente. Tentativas de tabelament­o de preços, aplicação de multas em donos de farmácias e até requisição de produtos das prateleira­s contribuír­am ainda mais para o desequilíb­rio do mercado.

O ano de 2020 exigiu decisões tão complexas quanto os desafios que impôs. A incerteza sobre o comportame­nto dos mercados foi e é um elemento que dificulta a análise antitruste.

A atuação do Cade no ano em que o mundo parou e os mercados colapsaram resguardou uma política de Estado, demonstran­do sua preocupaçã­o em evitar a formação de monopólios e oligopólio­s no pós-crise e assim zelar pela manutenção do bem-estar do consumidor.

Sendo assim, pergunta-se como estará o Cade em 2021 e a resposta é muito bem, obrigado. Afinal, nosso processo decisório em 2020 levou em conta que o mercado não é um jogo de soma zero, mas envolve as múltiplas rodadas que virão a seguir.

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