Cade resguarda política de Estado e em 2021 estará muito bem, obrigado
Para além do choque exógeno causado pela crise covidiana, um dos aspectos de maior insegurança em toda a pandemia foi a impossibilidade de dimensionar adequadamente a variável tempo.
Assim, diferentemente das situações pontuais de emergência que caracterizam as crises comuns, a pandemia desafiou o direito concorrencial, não só pela insuficiência de oferta e elevação dos preços como também pela necessidade de cooperação entre concorrentes, preços abusivos e o controle de fusões e aquisições com base na teoria da “failing firm defense”.
Os desafios concorrenciais foram enormes e ainda são. A maior preocupação foi intervir no exato limite do necessário para reestabelecer a concorrência sem gerar falhas de governo.
Precisávamos garantir a segurança jurídica a partir de regras claras e transparência no processo decisório, conforme recomendações da OCDE.
Isso porque tanto o excesso de intervenção estatal (a partir do controle de preços, por exemplo) quanto o afrouxamento excessivo das regras antitruste geram incentivos perversos aos agentes.
Em meio às iniciativas legislativas que sugeriam tabelamento de preços e afrouxaram excessivamente as regras antitruste, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), para além de manter a eficiência, consolidou uma postura ortodoxa.
Os números da instituição não mentem. Foram 460 processos de fusão e aquisição analisados no prazo médio de 29 dias/processo. Foram 59 investigações instauradas, 17 processos administrativos, 17 acordos homologados e 17 processos de conduta julgados pelo tribunal.
Em meio a tudo isso o Cade foi eleito entre as três melhores agências antitruste do mundo pela Global Competition Review e foi a única instituição pública no ranking dos cem lugares incríveis para trabalhar no Brasil.
Mais uma vez seguindo a coerência e a absoluta transparência na sua atuação, o monitoramento de potenciais condutas anticompetitivas das plataformas digitais pelo Cade procurou resguardar os agentes que adquirem seu market share por eficiência, e não por abuso de posição dominante. Nesse sentido, as famigeradas “killer acquisitions” seguiram sendo analisadas sob a ótica da centralidade do bem-estar do consumidor.
A colaboração entre competidores surgiu como suposta solução mágica para enfrentamento da crise. Entre os pedidos, era possível encontrar coerência, mas também oportunismo. Para tanto, não obstante a prejudicialidade da lei 14.010/2020 para a coerência da política antitruste brasileira, o Cade continuou analisando esses casos sob três óticas: sua excepcionalidade; a demonstração do elemento de urgência; e o retorno do ambiente competitivo no pós-pandemia.
Outras duas questões muito discutidas foram a iminente falência de várias empresas e os preços abusivos. A expectativa era que se recebessem diversas notificações de atos de concentração com fundamento da teoria da “failing firm defense”, o que não se confirmou.
Já em relação aos preços abusivos a situação foi diferente. Tentativas de tabelamento de preços, aplicação de multas em donos de farmácias e até requisição de produtos das prateleiras contribuíram ainda mais para o desequilíbrio do mercado.
O ano de 2020 exigiu decisões tão complexas quanto os desafios que impôs. A incerteza sobre o comportamento dos mercados foi e é um elemento que dificulta a análise antitruste.
A atuação do Cade no ano em que o mundo parou e os mercados colapsaram resguardou uma política de Estado, demonstrando sua preocupação em evitar a formação de monopólios e oligopólios no pós-crise e assim zelar pela manutenção do bem-estar do consumidor.
Sendo assim, pergunta-se como estará o Cade em 2021 e a resposta é muito bem, obrigado. Afinal, nosso processo decisório em 2020 levou em conta que o mercado não é um jogo de soma zero, mas envolve as múltiplas rodadas que virão a seguir.