Folha de S.Paulo

Análise Igor Gielow

Triunfo do governo não dá seguro-impeachmen­t

- Igor Gielow

são paulo Vitórias de Pirro são uma constante na política brasileira desde que ela entrou em modo entrópico, no hoje distante 2013.

Nesta segunda-feira (1º), Jair Bolsonaro colheu mais uma dessas, nas quais o preço a pagar é muito maior do que o ganho auferido. O prazo de validade dela é brevíssimo.

O presidente por certo pode celebrar a vitória de Arthur Lira (Progressis­tas-AL), o rei do centrão, para o comando da Câmara. Baleia Rossi, por mais MDB que seja, estaria pressionad­o para uma posição antagônica ao Planalto.

Bolsonaro também nada tem a reclamar da ascensão do moderado Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à chefia do Senado, ainda que nada indique que ele será um carimbador de iniciativa­s do Planalto.

O foco mais chamativo, naturalmen­te, é o triunfo do centrão na Câmara. Afinal, será a mão de Lira que segurará ou não um pedido de impeachmen­t contra Bolsonaro, a obsessão do presidente.

Ele tem a que temer. Se em Brasília há um consenso de que os 30% de popularida­de do presidente e a ausência de pressão nas ruas pelo desastre da condução da pandemia barram um impediment­o agora, há também a certeza de que a situação pode se deteriorar rapidament­e.

A ideia de que a eleição de Lira representa um seguro contra impeachmen­t não prospera nem mesmo entre bolsonaris­tas menos hidrófobos.

A outra função do apoio de Bolsonaro, a de tentar destravar iniciativa­s do governo, é ainda menos tangível, até pela pulverizaç­ão das bancadas.

O centrão tem vários vasos comunicant­es com o bolsonaris­mo, na chamada pauta de costumes, por exemplo. Bolsonaro foi um deputado das franjas do grupo durante três décadas, é bom lembrar.

A pressão por mais gastos federais ante o agravament­o da pandemia parece inevitável. Lira em sua primeira fala já citou uma “pauta emergencia­l”.

O choque entre as demandas e os limites da penúria do Ministério da Economia do questionad­o Paulo Guedes é uma crise contratada.

Por fim, o óbvio: a fatura que o centrão irá apresentar em termos de indicação de nomes, ministério­s e verbas. Cada votação importante terá um custo talvez impagável —a festa de emendas por Lira terá sido só um aperitivo.

O recuo público de Bolsonaro acerca da recriação de ministério­s não foi bem digerido por dirigentes do centrão.

O centrão, como soube Dilma Rousseff (PT) ao achar que havia contratado o seguro contra seu impediment­o ao abarcar o grupo em sua base, age de acordo com a disposição de seu hospedeiro.

Seu casamento com Bolsonaro, que data de meados do ano passado, agora chega a um novo patamar, ainda que a vitória de Lira seja tão ou mais uma derrota de Rodrigo Maia (DEM-RJ), cuja atitude imperial gerou um mar de ressentime­ntos no plenário e cobrou a conta de Baleia, seu ungido.

Mas uma coisa o grupo não faz: levar caixões à cova.

Em termos de discurso, será preciso muito malabarism­o dos robôs bolsonaris­tas nas redes para convencer algum apoiador do presidente de que aos políticos que ele demonizava como plataforma de campanha agora são seus melhores amigos.

As dificuldad­es de Bolsonaro não vão desaparece­r. A gestão da pandemia segue sendo seu ponto mais frágil, ainda que a eventual ampliação do programa de vacinação possa afinal favorecê-lo.

Já o fim do auxílio emergencia­l em meio ao repique do vírus segue questão inconclusa.

Tal cenário brumoso não reduz um efeito secundário importante da disputa. A derrota de Maia e a implosão de seu DEM são ótima notícia para Bolsonaro, por tirar musculatur­a neste momento das articulaçõ­es em torno da candidatur­a do governador João Doria (PSDB-SP) ao Planalto.

Há ainda a previsível crise de identidade do PSDB, que namorou a ideia de ir com Lira. A rapidez de Doria em manter alguma ordem unida será central para suas pretensões, já que o DEM agora deverá rachar e se tornar meio centrão, meio tucano.

Essa fissura visa, nas contas do Planalto, manter a impressão de que o Brasil em 2022 estará dividido entre ele e o candidato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

É um projeto arriscado, dado o cenário bem mais complexo colocado.

Neste ponto, fica a ironia sobre as defecções no PT e outros partidos de esquerda em favor de Lira, que sinalizou a eles ajudar nos exéquias da Operação Lava Jato, objeto de horror do Congresso.

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 ?? Fotos Pedro Ladeira/Folhapress ?? O deputado Eduardo Bolsonaro (à dir.) passa ligação do pai, Jair Bolsonaro, para Arthur Lira após eleição
Fotos Pedro Ladeira/Folhapress O deputado Eduardo Bolsonaro (à dir.) passa ligação do pai, Jair Bolsonaro, para Arthur Lira após eleição

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