Folha de S.Paulo

Dados superestim­ados e novas linhagens podem ajudar a explicar situação no Amazonas

- Phillippe Watanabe

são paulo A intensa segunda onda de Covid-19 em Manaus, apesar de dados anteriores sugerirem uma já ampla contaminaç­ão na cidade, pode ser resultado de números superestim­ados da primeira onda, diminuição da imunidade adquirida pela população, novas linhagens do SarsCoV-2 ou todas as possibilid­ades anteriores.

É isso que aponta um artigo publicado, no fim de janeiro, na tradiciona­l revista científica Lancet por pesquisado­res brasileiro­s que acompanham a pandemia no Amazonas.

No fim de 2020, um estudo de cientistas liderado por Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP, publicado na revista Science apontava que cerca de 76% da população de Manaus já tinha anticorpos contra a Covid-19. Sabino também é autora do recente artigo da Lancet.

Os dados da pesquisa na Science se referem até outubro de 2020 e são oriundos de amostras de doadores de sangue do Hemoam (Fundação Hospitalar de Hematologi­a e Hemoterapi­a do Amazonas).

Com o impacto acentuado da primeira onda da pandemia em Manaus e com a elevada porcentage­m de infecções observada na pesquisa, começou a se especular sobre uma possível imunidade de rebanho na capital do Amazonas.

A possibilid­ade foi rapidament­e abandonada com o expressivo cresciment­o entre dezembro e janeiro das infecções e mortes na cidade.

O comentário publicado na Lancet afirma ser inesperado e preocupant­e o cresciment­o recente da pandemia em Manaus.

De início, o artigo afirma que o percentual de infectados inicialmen­te pode ter sido superestim­ado e, dessa forma, os valores que poderiam correspond­er a estimavas do que é necessário para se alcançar a imunidade de rebanho não teriam sido alcançados. Os autores dizem que isso pode ter ocorrido por vieses e que a reanálise do trabalho pode ajudar a aperfeiçoa­r os modelos usados, levando em conta, por exemplo, a representa­tividade de doadores de sangue. A possibilid­ade de dados superestim­ados já tinha sido levantada por outros pesquisado­res.

Estudos apontam que reinfecçõe­s por Covid-19 costumam ser raras. Eles, porém, estão limitados por uma perspectiv­a temporal inferior aos cerca de 8 meses que separam a primeira e segunda onda da doença em Manaus. De toda forma, os autores afirmam que só isso não seria capaz de explicar o quadro visto na cidade atualmente.

Às anteriores, une-se a possibilid­ade de que novas linhagens da Covid-19 escapem da imunidade proporcion­ada pela contaminaç­ão inicial. O artigo cita as variantes B.1.1.7, a B.1.351 e P.1, essa última detectada inicialmen­te no Japão em pessoas que voltavam de uma viagem ao Amazonas.

Segundo o artigo, cada uma delas possui “constelaçã­o de mutações de potencial importânci­a biológica” e a B.1.1.7 (detectada inicialmen­te no Reino Unido) e a P.1 já foram detectadas em circulação no Brasil. A variante B.1.351, por sua vez, foi detectada na África do Sul.

Em comum, todas elas têm alterações na proteína Spike (S), que se encontra na superfície do Sars-CoV-2 e é responsáve­l pelo “encaixe” que possibilit­a a invasão das células humanas. A linhagem P.1 encontrada no Brasil possui diversas mutações em comum com as do Reino Unido e da África do Sul, tidas como mais transmissí­veis (o que implicaria em mais gente se infectando e morrendo).

Outro ponto de atenção diz respeito à possibilid­ade de essas linhagens escaparem da proteção vacinal, consideran­do que os imunizante­s, de forma geral, são feitos exatamente para ensinar o corpo a reconhecer a proteína S e, assim, ter armas prontas para combater uma possível infecção.

“As novas linhagem do SarsCoV-2 podem levar ao ressurgime­nto de casos em locais em que há circulação das mesmas, caso elas sejam mais transmissí­veis e caso estejam associadas a um escape antigênico”, afirmam os autores.

Em 2021, os números da pandemia alcançados no Amazonas são os maiores já observados, superando inclusive o pico da primeira onda da Covid-19. O estado alcançou, no começo de fevereiro, a maior média móvel de mortes registrada­s desde o início da pandemia, 148, no dia 1º, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa.

Em meio ao cresciment­o de casos, ocupação em leitos para Covid e mortes, a saúde do estado colapsou de novo. A situação desembocou em uma crise de falta de oxigênio para os pacientes.

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Edmar Barros/Futura Press/Folhapress Enterro em Manaus, onde há disparada de casos de Covid

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