Folha de S.Paulo

Sob críticas, Lava Jato de Curitiba é dissolvida

Com articulaçã­o de Augusto Aras, grupo é incorporad­o ao Gaeco do Paraná; procurador-geral diz que mudança é só troca de nome

- Katna Baran e Felipe Bächtold Colaborou Daniel Carvalho, de Brasília

O grupo de procurador­es da Lava Jato do Paraná anunciou ontem o fim da força-tarefa que atuava na operação desde 2014. Trata-se de um marco no embate da equipe com o Procurador-Geral da República, Augusto Aras.

curitiba e são paulo O grupo de procurador­es da Lava Jato do Paraná anunciou nesta quarta-feira (3) o fim da força-tarefa que atuava na operação desde 2014.

A equipe de trabalho foi dissolvida na última segunda (1º), mas alguns de seus integrante­s migraram para o grupo de atuação especial de combate ao crime organizado (Gaeco) do Ministério Público Federal para dar continuida­de às investigaç­ões da operação.

A medida é um marco no embate da equipe do Paraná com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que entrou em rota de colisão com o grupo em 2020. E é simbólico o fim da equipe que chegou a ser decisiva na política nacional, mas perdeu relevância e credibilid­ade nos últimos anos.

Procurador­es afirmam que os Gaecos não estão estruturad­os para demandas com a complexida­de de operações como a Lava Jato.

Os grupos são a principal aposta da PGR (Procurador­ia-Geral da República) para assumir investigaç­ões de forças-tarefas. Os Gaecos são referência em combate ao crime organizado nos Ministério­s Públicos estaduais e foram criados em 2013.

Com a mudança, quatro ex-integrante­s da força-tarefa paranaense se juntam aos cinco membros do Gaeco no estado, formando um grupo de nove procurador­es designados até agosto de 2022.

Desses, cinco continuarã­o atuando na Operação Lava Jato, mas apenas quatro não terão que cumprir obrigações em suas lotações de origem.

Sucessor de Deltan Dallagnol na coordenaçã­o, Alessandro Oliveira é um dos que seguem no caso. Entre os que já integravam a força-tarefa estão os procurador­es Roberson Pozzobon, Laura Tessler e Luciana Cardoso Bogo.

Outros dez membros da força-tarefa poderão atuar no caso até 1º de outubro de 2021, mas de forma eventual ou em procedimen­tos específico­s.

Além de não ter dedicação exclusiva, eles não farão parte do Gaeco e terão que retornar às suas cidades de origem. Nenhum deles está lotado em Curitiba, a cidade que sedia as investigaç­ões da Lava Jato.

Em dezembro, após Aras prorrogar as forças-tarefas da Lava Jato no Paraná e no Rio, integrante­s das equipes já haviam criticado a medida. Alertavam para risco de prejuízos na operação com essa nova forma de estruturar os integrante­s da investigaç­ão.

Assim, o clima já era de insatisfaç­ão nos grupos. No Rio, embora não haja previsão de remoção ou acúmulo de funções para os atuais 12 procurador­es do caso, o prazo final imposto por Aras para os trabalhos da força-tarefa, 31 de janeiro, foi muito menor do que o ano solicitado pelo grupo.

Crítico da atuação da Lava Jato, Aras já travou quedas de braço com os procurador­es, em especial em momentos de prorrogaçã­o dos trabalhos.

Em 2020, o procurador-geral participou de um evento virtual com advogados e disse que era necessário que “o lavajatism­o” não perdurasse.

Ele ainda afirmou que a equipe de Curitiba mantinha uma “caixa de segredos” e foi ao STF (Supremo Tribunal Federal) para obter cópias do acervo de dados da operação no Paraná.

Nesta quarta-feira, ao participar de sessão do Congresso Nacional, Aras afirmou :“Quem disse que foi posto fim à Lava Jato? Isso não é verdade”.

Também declarou que apenas se trocou o nome de força-tarefa para o Gaeco.

“A verdade é que os Gaecos institucio­nalizam a satividade­s das forças-tarefas, que não tinham nenhuma institucio­nalidade. As forças-tarefas continuam no modelo institucio­nal de Lava Jato, onde os membros são os mesmos, com garantias, inclusive, de mandato de biênio, onde existem projetos de início, meio e fim.”

O presidente da Associação Nacional de Procurador­es da República, Fábio George Cruz Nóbrega, se disse preocupado coma mudança por ver risco de perda de capacidade de investigaç­ão na Lava Jato.

Afirmou ainda que a exclusivid­ade no trabalho dos procurador­es e a estrutura do Ministério Público foram fundamenta­is para o sucesso da operação iniciada no Paraná.

As forças-tarefas são equipes temporária­s criadas para determinad­o caso que requeira um esforço concentrad­o de apuração. Na Lava Jato, a formação ocorreu ainda nas primeiras fases da operação, em 2014. A renovação era feita de maneira periódica.

A credibilid­ade dos integrante­s da equipe do Paraná sofreu grande um abalo em 2019, quando conversas por aplicativo reveladas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa, como a Folha, mostraram colaboraçã­o entre o Ministério Público Federal e o ex-juiz Sergio Moro quando ele estava à frente dos casos.

O episódio repercutiu fortemente no Supremo, com críticas de ministros como Gilmar Mendes. Paralelame­nte, nos últimos dois anos, a corte tomou uma série de medidas contrárias ao interesse de autoridade­s da operação, como barrar a prisão de réus condenados em segunda instância —caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na divulgação do fim do formato de força-tarefa, nesta quarta, o grupo paranaense apresentou um panorama dos resultados da operação.

“O legado da força-tarefa Lava Jato é inegável e louvável consideran­do os avanços que tivemos em discutir temas tão importante­s e caros à sociedade brasileira”, afirmou o coordenado­r Alessandro Oliveira, por assessoria.

Deltan Dallagnol, em rede social, criticou o fim das forças-tarefas e mencionou conjuntura “de retrocesso­s no combate à corrupção”. “Inevitavel­mente se ampliará o prazo de investigaç­ões e haverá o adiamento de operações, num contexto de mão de obra já insuficien­te e em que os resultados dependem da eficiência dos trabalhos”.

“Éum orgulho, uma satisfação que eu tenho de dizer a essa imprensa maravilhos­a nossa, que eu não quero acabar com a Lava Jato... Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação. Para nós, fazemos um governo de peito aberto Jair Bolsonaro discurso no Palácio do Planalto em 7.out.20

“Quem disse que foi posto fim à Lava Jato? Isso não é verdade Augusto Aras procurador­geral da República, nesta quartafeir­a (3)

 ?? Nelson Antoine - 30.jun.19/Folhapress ?? Em junho de 2019, manifestan­tes foram à avenida Paulista, em São Paulo, para apoiar a Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro; ele já era ministro da Justiça, mas ainda aliado de Jair Bolsonaro
Nelson Antoine - 30.jun.19/Folhapress Em junho de 2019, manifestan­tes foram à avenida Paulista, em São Paulo, para apoiar a Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro; ele já era ministro da Justiça, mas ainda aliado de Jair Bolsonaro

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