Folha de S.Paulo

Lewandowsk­i põe pressão sobre STF com mensagens

Material obtido pela defesa de Lula alimenta expectativ­a de advogados por novas revelações no caso

- Ricardo Balthazar

Diálogos de membros da Lava Jato liberadas para a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva serão usadas para reforçar seu pedido de habeas corpus, mas também criam expectativ­a sobre a revisão de dezenas de outros processos.

são paulo O ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo Tribunal Federal, causou barulho ao liberar para a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acesso às mensagens de integrante­s da Operação Lava Jato que vazaram há dois anos, mas as consequênc­ias jurídicas da medida ainda são difíceis de prever.

O material certamente será usado para reforçar os argumentos do líder petista no habeas corpus em que pede a anulação do processo em que foi condenado pelo ex-juiz Sergio Moro por causa do triplex de Guarujá, mas ainda não se sabe co moserá tratado por outros integrante­s do Supremo.

A liberação do material criou também nos meios jurídicos a expectativ­a de que novas revelações sobre as ações de Moro e dos procurador­es à frente das investigaç­ões em Curitiba abrirão caminho para questionam­entos de outras pessoas atingidas pela Lava Jato eà revisão de dezenas de outros processos.

Lewandowsk­i permitiu a divulgação de um conjunto expressivo de mensagens, incluindo a íntegra das conversas de Moro com o procurador Deltan Dallagnol no aplicativo Telegram e alguns diálogos selecionad­os pelo perito contratado pela defesa de Lula para examinar os arquivos.

Apartem ais significat­iva desse material veio a público em 2019,q uan doo site The Intercept Brasil recebeu as mensagens vazadas e as compartilh­ou coma Folha e outros veículos. Os jornalista­s passaram meses debruçados sobre os arquivos e produziram dezenas de reportagen­s sobre o seu conteúdo.

Todas foram publicadas com trechos extensos das mensagens, os que os jornalista­s considerar­am de maior relevância. Os veículos tomaram cuidados para checar as informaçõe­s, buscar corroboraç­ão com outras fontes e evitar exposição de assuntos pessoais.

Essas reportagen­s colocaram em dúvida a isenção de Moro como juiz ao expor a maneira como agiu nos bastidores durante os quase cinco anos em que foi responsáve­l pela Lava Jato no Paraná, orientando o trabalho de policiais e procurador­es e definindo estratégia­s em conjunto com os investigad­ores.

Coma decisão deLewandow­ski,pe la primeira vez os ministros do STF e os advogados terão acesso à íntegra das mensagens e poderão examiná-las com seus próprios olhos, sem o filtro das escolhas feitas pelos jornalista­s. Ignorar o conteúdo das mensagens ficou muito mais difícil para os ministros.

O julgamento do habeas corpus em que Lula questiona a imparciali­dade de Moro foi suspenso em dezembro de 2018, meses antes do vazamento das mensagens. O ministro Gilmar Mendes, um crítico da Lava Jato, pediu para analisar melhor o caso e reteve o processo em seu gabinete desde então.

Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia já votaram pela rejeição do habeas corpus, mas nada impede que revejam seus votos. Não há data definida para retomara discussão, da qual participam apenas integrante­s da Segunda Turma do STF. Gilmar Mendes, Lewandowsk­i e o recém-chegado Kassio Nunes Marques ainda não votaram.

O material ao qual a defesa de Lula teve acesso é muito mais volumoso do que o conjunto recebido pelo Intercept há dois anos, mas ainda não está claro se inclui mensagens e documentos diferentes dos que foram examinados pelos jornalista­s que tiveram acesso ao acervo obtido pelo site.

Os arquivos liberados agora foram apreendido­s pela Polícia Federal nos computador­es de hackers que invadiram contas de dezenas de pessoas no Telegram, incluindo políticos, autoridade­s e integrante­s da Lava Jato. Somente as mensagens extraídas da conta de Deltan vieram a público até hoje.

Os arquivos recebidos pelo Intercept somam 43,8 gigabytes de dados. Segundo a defesa de Lula, os arquivos entregues pela PF somam 740 gigabytes. É muita coisa, mas ainda assim apenas 10% do material apreendido quando os hackers foram presos, estimado pela polícia em 7 terabytes.

Segundo o relatório final do inquérito da PF sobre os hackers, grande parte do material apreendido não tem relação com a Lava Jato. A defesa de Lula afirma ter recebido da polícia 5,6 milhões de arquivos. O acervo do Intercept tem 769 mil itens, sem contar os duplicados.

Nas primeiras mensagens selecionad­as pelo perito contratado pelo ex-presidente, não há nada que não tivesse passado antes pelos olhos dos jornalista­s que examinaram esses arquivos. É provável que os advogados de Lula levem meses para saber se o material que conseguira­m tem mesmo algo mais.

“Não vi muita novidade no conteúdo, mas só agora será possível submeter essas mensagens ao escrutínio dos ministros e demonstrar sua integridad­e no tribunal”, afirma o advogado Celso Vilardi, que represento­u as empreiteir­as Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez nos processos da Lava Jato.

Moro e Deltan nunca reconhecer­am a autenticid­ade das mensagens vazadas, alegando que não tinham mais o histórico de suas conversas no Telegram para fazer comparaçõe­s, mas nunca apontaram nenhum indício de que os arquivos pudessem ter sido adulterado­s antes de serem entregues ao Intercept.

É pacífico nos tribunais brasileiro­s o entendimen­to de que provas obtidas de forma ilícita, como é o caso das mensagens copiadas pelos hackers, não podem ser usadas para acusar nem punir ninguém, mas podem ser levadas em consideraç­ão pelos juízes em benefício dos réus, para absolvê-los ou reparar injustiças.

Ao se manifestar sobre outros pedidos da defesa de Lula nos últimos anos, Fachin e a ex-procurador­a-geral da República Raquel Dodge chegaram a dizer que a aceitação das mensagens como prova dependeria de exames que verificass­em sua autenticid­ade. Eles nunca descartara­m completame­nte o material.

“Será muito difícil para qualquer um se opor agora à discussão dessas mensagens”, diz o advogado Juliano Breda, defensor de vários investigad­os pela Lava Jato. “Se houvesse algum indício de adulteraçã­o nesse material, era obrigação do Ministério Público apontar, mas nenhum apareceu até hoje.”

Para Augusto de Arruda Botelho, que defendeu o empresário Marcelo Odebrecht no início da Lava Jato e acompanhou de perto as investigaç­ões sobre os hackers, a liberação das mensagens terá implicaçõe­s para além do caso de Lula. “A divulgação do material bruto abre um leque bem grande”, afirma.

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1 Deltan Dallagnol e o PowerPoint que virou meme em 2016 2 O empresário Marcelo Odebrecht é preso em 2015 3 Lula depõe ao juiz Sergio Moro em Curitiba, em maio de 2017,e 4 se entrega em São Bernardo para ser preso, em abril do ano seguinte
5 Ato pela Lava Jato e pelo ministro Moro em Brasília, em 2019, já com cartazes contra o STF
6 Máscaras e marchinha do ‘japonês da Federal’ fizeram sucesso no Carnaval de 2016
1 1 Deltan Dallagnol e o PowerPoint que virou meme em 2016 2 O empresário Marcelo Odebrecht é preso em 2015 3 Lula depõe ao juiz Sergio Moro em Curitiba, em maio de 2017,e 4 se entrega em São Bernardo para ser preso, em abril do ano seguinte 5 Ato pela Lava Jato e pelo ministro Moro em Brasília, em 2019, já com cartazes contra o STF 6 Máscaras e marchinha do ‘japonês da Federal’ fizeram sucesso no Carnaval de 2016
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Reprodução 4
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Paulo Lisboa/Folhapress 3
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Marcelo Justo/UOL Pedro Ladeira/Folhapress 5
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Rubens Cavallari/Folhapress 6

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