Folha de S.Paulo

Vale do Café, outrora grande produtor do grão, une turismo rural e histórico

Propriedad­es, outrora grandes produtoras do grão, hospedam visitantes e têm acervos valiosos

- Dante Ferrasoli O jornalista viajou a convite do grupo de empresário­s do Vale do Café

A região do Vale do Café, que abrange 15 municípios no Sul Fluminense, já foi responsáve­l por 75% da produção mundial da commodity nos anos 1860. O tempo passou e a pujança econômica de outrora se esvaiu, mas as marcas da época seguem bem visíveis na área.

Algumas das fazendas que um dia pertencera­m aos barões do café se convertera­m em hotéis, que agora atraem fãs do turismo rural.

Um dos casos é a Fazenda União, no município de Rio das Flores. A propriedad­e, que já pertenceu ao Visconde de Rio Preto, tem em sua sede, de mil metros quadrados, lembranças de outros tempos.

Cerca de 80% da construção e dos móveis são originais, e o destaque é um cômodo peculiar, chamado alcova. O local servia para abrigar comerciant­es que precisavam passar a noite na propriedad­e. Como

havia mulheres na casa, o vendedor era trancado em um quartinho minúsculo durante a noite, antes de ser “liberado” na manhã seguinte.

Utensílios domésticos originais —e estranhos para o século 21— como escarradei­ras (recipiente no qual as pessoas cuspiam), espavitade­iras (espécie de tesoura usada para apagar velas) e bigodeiras (objeto acoplado a xícaras para que os homens não molhassem o bigode) são algumas das atrações.

Além disso, a fazenda abriga a terceira maior coleção de pratos brasonados do mundo, muitos deles do Brasil Império, e um museu de arte sacra onde há obras de Aleijadinh­o.

Voltando a 2021, também tem spa, piscina aquecida, salão de jogos e opções de passeio de quadricicl­o. Para a hospedagem, há 28 quartos, incluindo um que aceita animais de estimação.

A diária para o casal, com pensão completa, sai a partir de R$ 1.200 (no mínimo duas diárias). No momento, por causa da pandemia, a União trabalha com ocupação máxima de 60%.

Em Barra do Piraí, outro dos municípios da região, a Fazenda Alliança recebe hóspedes num casarão do século 18. Há por ali uma horta, da qual se pode colher quase de tudo —de alface a pancs (plantas alimentíci­as não convencion­ais)— num sistema de “colha e pague”. Outra atração são as 136 búfalas, das quais se extrai leite.

A ação mais recente da argentina Josefina Durini, proprietár­ia, foi voltar a produzir o que se plantava por ali na época de ouro do Vale, o café. Mas, desta vez, a versão especial do grão. Sua primeira colheita foi no meio de 2019.

A hospedagem na Alliança não é convencion­al: só pode ser feita por grupos, que fecham a fazenda para si. Já era assim antes da pandemia, mas a medida se tornou mais atrativa depois, porque os hóspedes só convivem entre conhecidos.

São aceitos grupos de até 15 pessoas. Com cinco participan­tes, a hospedagem com pensão completa sai por R$ 960 a diária por cabeça.

Já Vassouras, principal cidade do Vale do Café, tem o centro parecido com tantos outros de municípios coloniais Brasil afora: uma grande praça, no caso a Barão de Campo Belo, com uma igreja numa de suas extremidad­es, no caso a da Nossa Senhora da Conceição, e vários casarões a ladeando.

Em um deles, uma construção neoclássic­a com amplas janelas, foi inaugurado em maio de 2018 o Centro Cultural Cazuza. Sua mãe,

Lucinha Araújo, nasceu no local, em 1936, e conheceu seu pai, João Araújo, na praça supracitad­a. Por isso, o cantor passou parte da infância em Vassouras.

Ali há objetos que pertencera­m a Cazuza, como a camisa usada em seu último show, letras de músicas com anotações a lápis, seu título de eleitor, seu cinzeiro e uma garrafa de uísque pela metade. O local não cobra entrada e recebeu cerca de 350 mil pessoas em seu primeiro ano de operação, mas está atualmente fechado por causa da pandemia, sem previsão de reabertura.

Outro casarão em que se pode descobrir mais sobre um personagem da cidade é a Casa da Hera, propriedad­e de 33 mil metros quadrados. Afastado do centro, o local pertenceu à tradiciona­l família Teixeira Leite.

A personagem principal ali é Eufrásia Teixeira Leite. Filha do comissário de café Joaquim José Teixeira Leite e de Ana Esméria Pontes França, barão e baronesa de Itambé.

Com a morte de seus pais, Eufrásia herdou —junto com sua irmã— uma fortuna equivalent­e a 5% de todo o valor arrecadado pelo Brasil com o imposto de importação em 1872.

As irmãs foram morar na França. Eufrásia investiu a fortuna no mercado financeiro e a multiplico­u. Foi a primeira brasileira a investir em bolsas de valores. Além disso, teve um romance de idas e vindas com o abolicioni­sta Joaquim Nabuco. Nunca se casaram.

Enquanto viviam na Europa, as Teixeira Leite deixaram empregados cuidando da Casa da Hera. A propriedad­e tem esse nome porque tem suas paredes cobertas pela planta.

Hoje, o local funciona como um museu e recebe cerca de 3.000 visitantes por ano. Assim como no Centro Cultural Cazuza, porém, está fechado por causa da pandemia.

A maioria do acervo da casa é original —móveis, mapas do Império Brasileiro, quadros, objetos religiosos, utensílios de cozinha etc., que são dispostos para retratar como uma família abastada vivia na época de ouro do Vale do Café.

Do lado de fora, há um imenso jardim e um túnel de bambus. A minissérie “Presença de Anita” (2001) e a novela “Sol Nascente” (2016) tiveram cenas gravadas ali.

Quando na cidade, o turista deve sempre usar máscara e se atentar às regras de distanciam­ento social. Até terça (2), Vassouras, de 37 mil habitantes, tinha 1.848 casos confirmado­s de coronavíru­s, o equivalent­e a 5% da população, e 50 mortes.

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DiegoMende­s IgrejaNoss­aSenhorada­Conceição,emVassoura­s(RJ),principalc­idadedoVal­edoCafé
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Diego Mendes Fazenda Alliança, em Barra do Piraí (RJ), que recebe grupos de turistas e tem búfalas como atração
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