Folha de S.Paulo

Toffoli propõe que STF decida direito ao esquecimen­to em todas as plataforma­s

- Matheus Teixeira

O ministro Dias Toffoli propôs nesta quarta (3) que o STF (Supremo Tribunal Federal) discuta a existência do direito ao esquecimen­to no Brasil em todas as plataforma­s, como buscadores da internet, documentos públicos ou reportagen­s jornalísti­cas.

O caso concreto em análise diz respeito a um programa veiculado pela TV Globo, mas o magistrado afirmou que o mais adequado é o Supremo discutir o tema sob todas as perspectiv­as.

O julgamento começou nesta quarta e Toffoli proferiu apenas a primeira parte de seu voto, em que fez um apanhado histórico do direito ao esquecimen­to no mundo. A análise do caso será retomada nesta quinta (4).

Em resumo, o STF irá decidir se a Justiça pode proibir um fato antigo de ser exposto ao público em respeito à privacidad­e e à intimidade da pessoa envolvida ou se um veto nesse sentido configurar­ia censura e violaria a liberdade de expressão.

A corte aplicou repercussã­o geral ao processo em pauta, o que significa que a decisão valerá para todos os processos em curso sobre o tema.

“Se o direito ao esquecimen­to existe ou não, independer­á da plataforma referida. Muito embora o caso concreto seja televisivo, a existência ou não valerá para toda e qualquer plataforma”, sugeriu Toffoli, que é o relator da matéria.

Segundo o ministro, a primeira vez que se discutiu direito ao esquecimen­to no mundo foi em 1967, na França, quando a ex-amante de um serial killer acionou a Justiça para não ser retratada em um documentár­io. Ele citou estudo de Maryline Boizard, professora da Universida­de de Rennes, sobre o tema.

“O direito ao esquecimen­to era analisado como ‘a prescrição de fatos que já não são relevantes’, por isso a referência naquele julgado à ‘prescrição do silêncio’, a indicar ‘um vínculo entre o direito ao esquecimen­to e o direito à prescrição’, relação que seria, aponta a autora, ‘particular­mente evidente no contexto da prescrição da ação pública que se baseia na ideia de que ‘depois de um certo tempo, é supérfluo levar à Justiça os crimes que foram esquecidos e cujos efeitos desaparece­ram’.”

O caso em análise no STF é um recurso movido por irmãos de Aída Curi, assassinad­a em 1958 no Rio de Janeiro. O programa Linha Direta, da TV Globo, exibiu, 50 anos depois, um episódio em que reconstitu­iu o crime.

Os familiares dela, que foi violentada e assassinad­a e cujo caso foi amplamente divulgado à época, pedem uma indenizaçã­o ao canal. Eles perderam a causa em todas as instâncias antes de chegar ao STF.

No STJ eles também perderam, mas a corte reconheceu a existência do direito ao esquecimen­to.

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, falou em nome da PGR e defendeu a rejeição do recurso da família de Aída Curi. “A pretensa ideia de um direito ao esquecimen­to é extrair do transcurso do tempo uma possibilid­ade de afetar a liberdade de expressão”, criticou.

O advogado da família de Aída Curi, Roberto Algranti Filho, defendeu que o direito à informação não pode ser sempre mais importante do que a dignidade da pessoa humana.

Para ele, o reconhecim­ento do direito ao esquecimen­to seria um marco civilizató­rio menos comprometi­do com o passado e mais com o presente e sobretudo com o futuro.

“Não à toa o tribunal da União Europeia reconheceu o direito ao esquecimen­to e o instrument­alizou com a desindexaç­ão de informação desabonado­ra sem contempora­neidade com o interesse público dos buscadores.”

O advogado da TV Globo, Gustavo Binenbojm, destacou que a decisão da UE diz respeito apenas a buscadores de internet e que a discussão em curso no Supremo é mais ampla e envolve também a atuação da imprensa e a liberdade de expressão na internet.

Ele lembrou que o irmão de Aída Curi escreveu dois livros sobre o crime e citou a possibilid­ade de o direito ao esquecimen­to restringir e até suprimir direitos fundamenta­is, como a liberdade de imprensa.

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Fellipe Sampaio/Divulgação STF Ministro Dias Toffoli preside sessão realizada por videoconfe­rência

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