Folha de S.Paulo

Paris quer reformar Champs-Élysées para tirar espaço de carros

Assim como a capital francesa, cidades buscam formas de reduzir poluição e liberar áreas para pedestres e ciclistas

- Rafael Balago

Nas últimas semanas, Paris e Nova York anunciaram medidas para reduzir o espaço dos carros e, assim, liberar área para outras atividades. São novos capítulos do processo de transição urbana que deverá marcar a década que acabou de começar.

Em Paris, a prefeita socialista Anne Hidalgo aprovou um plano, em janeiro, para reformar a região da avenida Champs-Élysées, a mais famosa da cidade. A via terá mudanças como a ampliação de calçadas e ciclovias e a redução das pistas para os carros, que serão duas de cada lado, em vez das quatro atuais. E haverá menos barreiras entre o asfalto e a calçada, de modo que os veículos terão de seguir em velocidade menor.

A reforma, uma promessa da campanha de reeleição de Hidalgo, em 2020, deve custar entre 200 e 225 milhões de euros (R$ 1,2 a 1,6 bilhão), e começará na parte leste, na Place de la Concorde, para atrair os turistas que vêm da região do Museu do Louvre. Depois, seguirá rumo ao Arco do Triunfo. A obra deve ser concluída só em 2030, depois dos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024.

No fim de janeiro, o prefeito de Nova York, o democrata Bill de Blasio, anunciou novas ciclovias em duas pontes importante­s, a do Brooklin e a de Queensboro. Nelas, as pistas para bikes tomarão uma faixa dos carros e deixarão de dividir espaço na área para pedestres.

Durante a pandemia, a cidade americana autorizou restaurant­es a colocarem mesas na rua, onde havia vagas para carros, e De Blasio disse que pretende manter a ideia mesmo após a crise.

Os anúncios são mais sinais das mudanças que vão ganhando força nas maiores cidades do mundo: abrir mais espaço a pedestres e ciclistas, reduzir as áreas para os carros e reforçar o combate à poluição —tanto sonora quanto do ar.

“Passamos o século 20 redesenhan­do as cidades para o carro. Imaginava-se que ele transporta­ria todo mundo, mas descobriu-se que não. Em São Paulo, por exemplo, os automóveis movem 31% das pessoas, mas usam 85% do espaço viário”, compara Sérgio Avelleda, diretor de mobilidade urbana do instituto WRI. “As cidades começaram a ver a ineficiênc­ia e os problemas gerados por isso.”

Nas últimas décadas, os espaços públicos passaram a ser mais valorizado­s, aponta Valter Caldana, professor de urbanismo no Mackenzie. “Encerramos o século 20 sob a hegemonia do ‘não-lugar’, como chamamos os espaços que são iguais no mundo inteiro, como os aeroportos, hoteis, shoppings etc. Na década de 2010, tivemos a paulatina substituiç­ão do ‘nãolugar’ pelo ‘hiper-lugar’, que é conectado, altamente utilizado, flexível e que respeita a identidade local”, avalia.

Para os cidadãos, surge também a possibilid­ade de usar mais de um tipo de transporte e combinar diferentes modos, como bicicleta e metrô, com o mesmo meio de pagamento. Tecnologia­s para isso já existem, mas ainda estão em fase experiment­al.

Com o 5G, os próprios veiculos serão capazes de trocar informaçõe­s entre si, e elementos urbanos como semáforos e iluminação pública poderão captar informaçõe­s. Sistemas de inteligênc­ia artificial estão sendo preparados para analisar esses dados e propor mudanças imediatas, como readaptar o tempo de um semáforo para desafogar uma fila de ônibus presos no trânsito.

Na China, que vem liderando o desenvolvi­mento do 5G, há diversos experiment­os, como parte de uma estratégia que combina automação com eletrifica­ção, com os objetivos de organizar melhor as cidades e combater a poluição do ar, que era uma marca do país.

“Pequim foi a cidade mais poluída do mundo, mas com uma politica pública estruturad­a, eles conseguira­m reduzir significat­ivamente o problema em pouco tempo”, analisa Avelleda.

Além de mudanças nas indústrias poluentes, o governo chinês estimula a adoção de motos e ônibus elétricos nas ruas e realiza uma expansão forte do metrô. Pequim começou a construir seu metrô nos anos 1960 e tem atualmente 727 km de linhas. Em 2013, eram 456 km.

Como comparação, São Paulo, que iniciou sua rede no mesmo período, tem 101,4 km de metrô e monotrilho. Em 2010, eram 69 km.

Pequim segue inaugurand­o novas linhas e pretende tocar 16 projetos de expansão de transporte­s sobre trilhos em 2021, segundo a agência estatal Xinhua.

“Nenhuma nova tecnologia consegue levar 100 mil pessoas por hora por sentido. Isso tem que ser feito por trem, metrô ou ônibus”, ressalta Avelleda.

A pandemia poderá trazer mudanças significat­ivas para as cidades. Se o home office continuar sendo uma prática comum, haverá menos deslocamen­tos diários e maior uso das estruturas dos bairros, como praças, comércio e opções de lazer perto de casa, que podem ser acessadas a pé ou de bicicleta.

O esforço dessas cidades também busca atingir as metas de redução de poluentes estipulada­s pela União Europeia. Londres e Madri, por exemplo, planejam intensific­ar as restrições à circulação de veículos poluentes nos próximos anos. Parte deles já não pode circular em áreas centrais dessas duas capitais.

“As maiores cidades do mundo vêm fazendo transforma­ções aos poucos, e São Paulo não as fez. Houve um apagão urbanístic­o por décadas”, avalia Caldana.

A capital paulista vem aumentando aos poucos sua rede de ciclovias e, na última década, criou mais áreas para pedestres e reduziu a velocidade máxima em quase todas as avenidas, o que aumenta a segurança das pessoas. Implantada na gestão de Fernando Haddad (PT), a redução foi mantida em quase toda a cidade nos governos seguintes, de João Doria e Bruno Covas, ambos do PSDB.

Tanto em países pobres quanto ricos, no entanto, a habitação deverá ser um grande desafio. Com a alta no desemprego trazida pela pandemia, aumenta o risco de despejos. E reformas urbanas, como a da Champs-Élysées, podem valorizar ainda mais os imóveis ao redor, expulsando pessoas mais pobres.

Cabe aos governos definir medidas para tentar evitar isso, em uma tentativa de conciliar a disputa entre os direitos dos cidadãos e os interesses do mercado. “No fundo, é uma questão de como vamos decidir usar o solo das cidades”, resume Caldana.

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Divulgação Projeção de como deve ficar a avenida Champs-Élysées, em Paris, após reforma

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