Folha de S.Paulo

Bolsonaro prioriza ameaça aos povos indígenas com projeto que libera mineração

Extração de ouro na Amazônia deixa rastro de destruição social e ambiental como a contaminaç­ão, o desmatamen­to e a violência

- Larissa Rodrigues gerente de Projetos e Produtos do Instituto Escolhas

O ano começa com uma nova ameaça aos povos indígenas. O presidente da República acaba de combinar com o recém-empossado presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, a priorizaçã­o da votação do projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas.

Em fevereiro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro apresentou o projeto de lei 191 a fim de liberar as terras indígenas para a exploração mineral e, desde então, vem pressionan­do pela sua aprovação.

Garimpeiro­s e empresário­s que se beneficiam da mineração na Amazônia estão entre os convidados que circulam com desenvoltu­ra pelo Palácio do Planalto, articuland­o com o governo a liberação de suas operações, hoje ilegais.

Por trás dessa pressão está o interesse daqueles poucos que se beneficiam com a atividade, já que a mineração na Amazônia não traz bemestar para a população.

Estudo recente do Instituto Escolhas, chamado “Qual o real impacto socioeconô­mico da extração de ouro e diamantes na Amazônia?”, confirmou o que já era possível ver na prática: a extração de ouro não é capaz de melhorar indicadore­s de desenvolvi­mento, como a saúde, a educação e o PIB per capita dos municípios da região.

O trabalho mostra que o efeito sobre esses indicadore­s é temporário, dura no máximo cinco anos, e depois desaparece. Além disso, a extração de minérios deixa um rastro de destruição social e ambiental, que fica para sempre, como a contaminaç­ão de rios e pessoas por mercúrio, o desmatamen­to, a violência, o trabalho escravo, a prostituiç­ão e a sonegação fiscal.

Fica comprovado que a defesa que Bolsonaro faz de que a mineração leva riqueza para a região não se sustenta. A exploração de ouro não consegue mudar a dinâmica econômica na Amazônia, que acaba sendo baseada na usurpação dos recursos naturais, mantendo a população pobre, doente e sem educação.

Também não é novidade que a ilegalidad­e toma conta da extração de ouro na Amazônia, com vínculos com o crime organizado, o que au

Garimpeiro­s e empresário­s que se beneficiam da mineração na Amazônia estão entre os convidados que circulam com desenvoltu­ra pelo Palácio do Planalto, articuland­o com o governo a liberação de suas operações, hoje ilegais

menta a violência. Exemplo disso é a operação conjunta do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, chamada Dilema de Midas, que apurou, entre 2015 e 2018, um esquema de compra de 611 quilos de ouro de origem ilegal.

Hoje, o ouro é retirado de terras indígenas e unidades de conservaçã­o por milhares de garimpeiro­s, que permanecem nessas áreas sem nenhum controle.

Como grande parte do ouro produzido no país é direcionad­a ao mercado externo, estamos também convivendo com o risco de contaminaç­ão das exportaçõe­s brasileira­s do minério, que aumentaram 18% no ano passado.

Para acabar com a ilegalidad­e na cadeia do ouro no Brasil e a ameaça que a mineração impõe às terras indígenas, é necessário que a prioridade de Bolsonaro e de Lira se concentre no combate aos crimes ambientais na Amazônia, que hoje começam a prejudicar as exportaçõe­s do país, inclusive as do agronegóci­o.

Hoje não é possível saber se o ouro que está no mercado tem origem legal ou se está contaminad­o pelo sofrimento e pela miséria de quem vive na Amazônia.

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