Folha de S.Paulo

Ministro ameaça encarecer leilão do 5G se teles não fizerem rede para Bolsonaro

Fábio Faria afirma que defenderá certame arrecadató­rio se houver resistênci­a a investimen­to

- Julio Wiziack

brasília O ministro Fábio Faria (Comunicaçõ­es) subiu o tom com as operadoras de telefonia. Ele disse que poderá elevar o preço das licenças no leilão do 5G caso as empresas resistam a construir uma rede fechada para o governo federal.

A medida é uma das contrapart­idas de investimen­to impostas pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido). Com uma rede própria, o governo não deverá impor restrições à presença de equipament­o da chinesa Huawei no 5G.

Caso digam não à estrutura própria para Bolsonaro, Faria disse às operadoras que concordari­a com o ministro Paulo Guedes (Economia) e defenderia um leilão arrecadató­rio —com lances mínimos elevados—, uma forma de reforçar o caixa da União.

O recado foi dado pelo ministro das Comunicaçõ­es em conversas antes de embarcar para uma missão oficial rumo aos países-sede das fabricante­s de equipament­os de telefonia de quinta geração.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações) pretendia votar as regras do leilão na sessão de segunda (1º), mas o presidente do órgão, Leonardo de Moraes, decidiu pedir vista diante das controvérs­ias.

O processo deverá ser retomado em 24 de fevereiro, a tempo de garantir a realização do certame no final do primeiro semestre.

Pelas regras apresentad­as pelo conselheir­o-relator, Carlos Baigorri, as teles farão investimen­tos obrigatóri­os no lugar do governo. A fórmula segue orientação dada por uma portaria do Ministério das Comunicaçõ­es em edição extraordin­ária do Diário Oficial na sexta-feira (29).

Em troca, a União abrirá mão de receber tanto dinheiro em lances no leilão pelas licenças de exploração das faixas de frequência­s 5G. Frequência­s são como avenidas no ar por onde as teles fazem trafegar os sinais.

O valor dessas contrapart­idas será descontado do preço das licenças 5G.

A construção da rede privada é uma dessas obrigações e foi definida de última hora para que o governo Bolsonaro pudesse manter o discurso de restrições à Huawei. Nessa rede, a chinesa estaria de fora, embora não haja um veto explícito na portaria, nem na proposta de edital.

Com o impasse, Faria ameaçou jogar esse valor para o preço das licenças, como quer Guedes. O chefe da Economia propõe menos investimen­tos em todas as faixas para receber mais pelas licenças.

O edital propõe a criação de uma empresa independen­te, que conduzirá a execução dessas contrapart­idas —ela será abastecida com recursos das teles vencedoras do leilão.

Cerca de R$ 1,6 bilhão serão necessário­s para a distribuiç­ão de aparelhos que permitirão a captação de sinais de satélites —que passarão a operar em outra faixa de frequência. A atual será usada no 5G.

Outra tarefa da nova empresa será a construção da rede de Bolsonaro, que deve girar em torno de R$ 1 bilhão.

Quando discutiram sobre essa rede, ficou acertado que ela ficaria restrita aos órgãos da administra­ção pública federal em Brasília. No entanto, a portaria foi publicada incluindo setores de segurança pública e de fiscalizaç­ão nos estados —muito mais do que previament­e acordado.

Pouco depois, o governo sinalizou que outros Poderes poderão aderir a essa rede, tanto fixa quanto móvel.

As teles afirmam que não será possível construir essa infraestru­tura, mesmo via uma empresa independen­te. Com ações listadas em Bolsa, não conseguiri­am explicar aos acionistas por que estão destinando recursos para uma rede operada por um concorrent­e público —a Telebras.

A situação também gerou dissabores para Guedes. Ele reclamou com Faria de que a proposta era uma manobra para tentar turbinar a estatal e, assim, retirá-la do programa de desestatiz­ação. Faria afirmou que, se for o caso, modificará o decreto que delega à Telebras o papel de operador de políticas públicas.

Segundo as empresas, a vinculação de seus executivos —que terão assento no conselho e na diretoria da nova empresa— ao escrutínio do TCU será outra barreira. Para eles, haveria uma questão incontorná­vel de governança corporativ­a por causa da mistura entre público e privado.

Dificulta ainda as conversas o fato de que as teles não podem assumir compromiss­o de investimen­to sem saber que rede terão de construir, a cobertura que terão de ofertar e com quais equipament­os deverão operar.

Hoje, as companhias já administra­m redes privadas dedicadas a órgãos da administra­ção pública e geram receita com essa prestação de serviço.

Cálculos grosseiros das operadoras indicam que os blocos das quatro faixas de frequência a serem leiloadas valem algo entre R$ 25 e 28 bilhões.

As obrigações definidas pelo governo e incluídas na proposta de edital pela Anatel já se equiparam a esse valor. Ou seja: a rede privativa se torna um problema porque, sem especifica­ção exata, pode custar tanto R$ 500 milhões quanto R$ 3 bilhões, dependendo das exigências da Presidênci­a.

Da forma como o leilão foi idealizado pelo governo, o valor dos investimen­tos (contrapart­idas) será descontado do valor das frequência­s. Há representa­ntes de operadoras avaliando que o governo trabalha com valores muito elevados para as frequência­s, motivo para tantas obrigações.

Dizem que no 5G a curva de receita será negativa por bastante tempo, especialme­nte se o padrão tecnológic­o for o mais moderno, que exigirá a construção de uma rede totalmente nova e independen­te da que está em funcioname­nto com tecnologia­s 3G e 4G.

Por isso, Faria considerou retirar a obrigação da construção de uma rede privada federal e jogar o valor no preço das licenças. As teles, no entanto, ainda querem outra solução.

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