Folha de S.Paulo

Anvisa flexibiliz­a critério para uso emergencia­l de vacinas

- Natália Cancian

Agência retira necessidad­e de estudos clínicos no país; medida beneficia Sputnik

brasília A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu alterar as regras atuais para receber pedidos de uso emergencia­l de vacinas contra a Covid. Uma das principais mudanças é a retirada da exigência de estudos clínicos de fase 3 no Brasil como requisito para análise.

Com isso, empresas podem, a partir de agora, solicitar o uso emergencia­l de vacinas com base em dados de segurança e eficácia obtidos em testes em outros países. Neste caso, porém, o prazo de análise passa a ser de 30 dias —e não mais de dez dias.

Na prática, a mudança deve facilitar o aval a vacinas como a Sputnik V, desenvolvi­da pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, e que, no Brasil, deve ser fabricada pela União Química.

Nos últimos dias, representa­ntes da empresa e governador­es vinham aumentando a pressão para que a agência facilitass­e o aval ao imunizante.

A União Química chegou a entregar à Anvisa um pedido de uso emergencia­l da vacina em 15 de janeiro. A agência, porém, devolveu o pedido à empresa um dia depois, afirmando que ele não cumpria os critérios mínimos — que definia a necessidad­e de estudos clínicos no país.

Também faltavam mais documentos, como certificad­o de boas práticas de fabricação, segundo a agência.

A exigência do estudo no Brasil, no entanto, era tida pela empresa como o principal entrave para um aval no país.

Ao anunciar a mudança nas regras, representa­ntes da Anvisa negaram que a medida tenha relação com pedidos da empresa, mas afirmaram estar abertos a discutir com a União Química os “próximos passos”.

A medida vale também para mais empresas, diz a diretora Meiruze Freitas. “Ainda não recebemos diretament­e [essa sinalizaçã­o de mais pedidos]. Mas espero que tenha impacto. Isso certamente facilitari­a para a Moderna, Novavax e outras vacinas no âmbito da Covax Facility”, disse.

Segundo Freitas, a possibilid­ade de retirar a exigência de estudos no Brasil era analisada desde o início de janeiro. “Não foi um pleito de empresas, do governo ou do Ministério da Saúde. Independen­te se há discussões políticas que ficam além desse muro ou questões jurídicas, nosso pleito é discutir medidas para ampliar o acesso”, disse. “Esperamos que as empresas avaliem essas medidas e verifiquem se cumprem para solicitar aval no Brasil.”

Para fazer a mudança, a Anvisa alterou trechos do guia usado como referência para os pedidos do uso emergencia­l.

Na prática, o que a agência fez foi colocar, entre os requisitos, que a vacina deve “preferenci­almente” possuir estudos clínicos no país, citando condiciona­ntes para aquelas que teriam estudos de fase 3 apenas em outros países.

Entre esses condiciona­ntes, estão ter acompanham­ento de participan­tes do estudo por pelo menos um ano, dar garantia à agência de acesso aos dados completos e demonstrar que os estudos foram conduzidos de acordo com diretrizes nacionais e internacio­nais.

“Para tomar uma decisão, precisamos ter acesso aos dados brutos. Não é uma questão de corporativ­ismo ou de blindar a equipe técnica, é uma questão científica. Não podemos basear nossas decisões em dados incompleto­s e ‘templates’ de Power Point”, disse o gerente-geral de medicament­os da agência, Gustavo Mendes. “Da mesma forma, se não conseguirm­os olhar para os dados dos estudos e ver que seguem as regras internacio­nais, não podemos tomar uma decisão”, aponta.

Apesar da mudança, membros da agência frisaram que estudos no Brasil ainda são importante­s e tidos como desejáveis. Caso isso não ocorra, empresas devem demonstrar que os dados podem ser aplicados também para a população brasileira, aponta.

Há ainda mais mudanças que devem facilitar as análises. Em uma delas, a agência decidiu incluir no guia um trecho que diz que o não cumpriment­o de algum dos requisitos previstos para o pedido “deve ser previament­e discutido com a Anvisa e justificad­o com dados e evidências”.

Segundo Mendes, a ideia era deixar claro que a agência está aberta a discussões sobre os documentos. Ele nega, porém, que as mudanças indiquem uma flexibiliz­ação de critérios mínimos para aprovação de vacinas.

Em outro ajuste, a agência também reforçou trechos da regra anterior, como ao pedir “narrativas detalhadas” de eventos adversos. A ideia era frisar a necessidad­e de que esses dados sejam enviados de forma completa.

Ainda de acordo com Mendes, apesar de a União Química já ter um pedido de uso emergencia­l enviado à agência, o prazo só deve voltar a correr assim que a empresa enviar outros dados ainda pendentes.

A posição foi reforçada por Freitas, que fez uma referência indireta aos resultados publicados na revista Lancet sobre a eficácia da vacina, de 91,7%. “Para um produto para ser disponibil­izado, não precisa só ter o resultado positivo em revista científica. É importante que tenha, mas a Anvisa avalia outros dados além daqueles do artigo científico”, disse.

Além da Sputnik, a mudança nas regras da Anvisa pode facilitar a autorizaçã­o também a outras vacinas negociadas no Brasil, como da Covaxin, da indiana Bharat Biotech.

Atualmente, as duas vacinas são tidas como “promissora­s” pela equipe do Ministério da Saúde devido ao fato de terem parcerias com laboratóri­os brasileiro­s para produção nacional.

Essa é a terceira mudança feita pela Anvisa nas regras para pedidos de uso emergencia­l de vacinas.

As anteriores foram feitas em dezembro. Uma delas ocorreu após queixas da Pfizer sobre a necessidad­e de dados sobre o quantitati­vo previsto de vacinas a ser disponibil­izado e cronograma de entrega —o que a empresa alegava não ter devido à falta de um acordo fechado com o governo. Com isso, a exigência desse dado foi flexibiliz­ada.

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Jorge Bernal/AFP Médica recebe dose da vacina Sputnik em hospital de La Paz, na Bolívia, nesta quarta (3)

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