Folha de S.Paulo

Suíça nega aval e acirra ‘inferno astral’ da AstraZenec­a

- Ana Estela de Sousa Pinto

bruxelas A agência regulatóri­a da Suíça decidiu não autorizar o uso da vacina de Oxford/AstraZenec­a, por considerar insuficien­tes as informaçõe­s fornecidas pela empresa. “São necessário­s novos estudos para obter dados adicionais sobre segurança, eficácia e qualidade”, afirmou o SwissMedic em comunicado nesta quarta (30).

Também por julgar que faltam dados conclusivo­s, outros seis países europeus já limitaram a aplicação do imunizante: Áustria, Alemanha, Bélgica, França, Itália, Suécia e Polônia. As barreiras regulatóri­as são uma das três maiores dores de cabeça que a AstraZenec­a enfrenta no momento.

A primeira delas envolve comunicaçã­o, e começou em novembro passado, quando cientistas e profission­ais da área criticaram seu primeiro anúncio internacio­nal. Um comunicado à imprensa citava três eficácias diferentes para o imunizante: 90% para um grupo que tomou meia dose e depois uma dose inteira, 62% para um grupo maior, que tomou duas doses inteiras, e 70%, na média dos dois grupos.

A AstraZenec­a foi obrigada a assumir um erro na dosagem aplicada em parte de seus voluntário­s, e a revisar seu artigo para corrigir outras lacunas apontadas pelos críticos, como a de que o estudo não informava o número absoluto de casos de Covid-19 nos grupos nem explicava a união dos resultados de ensaios clínicos diferentes, no Reino Unido e no Brasil.

O estudo completo foi publicado em dezembro na revista científica The Lancet, mas, até lá, as ações da empresa caíram, e executivos tiveram que fazer teleconfer­ências para se explicar a analistas de Wall Street.

Foi o primeiro passo em falso de uma vacina que, até então, era apontada como a grande favorita na corrida por um imunizante seguro, eficaz e disponível.

Em abril do ano passado, apenas quatro meses depois de descoberto o Sars-CoV-2, Oxford e AstraZenec­a já tinham saltado à frente de outros fabricante­s por já terem testes anteriores que mostravam que seu imunizante era inofensivo para seres humanos —uma das vacinas feitas com a mesma plataforma havia sido testada inclusive contra um outro tipo de coronavíru­s.

Em maio, eles já programava­m testes com mais de 6.000 pessoas e, em junho, começaram testes em massa no Brasil, para provar que, além de segura, ela era também eficaz. No auge da primeira onda, cientistas da Oxford previam que as primeiras doses poderiam estar disponívei­s em setembro —vários meses antes de qualquer outro projeto da época.

Esses testes foram também a origem das recentes restrições feitas pelas agências regulatóri­as: a principal lacuna apontada é o número pequeno de voluntário­s idosos, justamente um dos grupos mais vulnerávei­s à Covid-19.

Apenas 8% dos voluntário­s tinham entre 56 e 69 anos, e apenas de 3% a 4% superavam 70 anos. Segundo o principal executivo da companhia, Pascal Seriot, isso ocorreu porque a Universida­de de Oxford queria antes “acumular muitos dados de segurança no grupo de 18 a 55 anos”. Como a vacina está sendo empregada em larga escala no Reino Unido, a empresa espera apresentar novos dados sobre o efeito entre os idosos em março.

Além de no Reino Unido e no Brasil, onde é o principal imunizante do programa de vacinação do governo federal, a vacina Oxford/AstraZenec­a já foi aprovada em cerca de 50 países e é usada sem restrições de idade em ao menos 10, de acordo com a empresa.

Na semana passada, a EMA (agência reguladora da União Europeia) deu sinal verde para o uso em todos os adultos, mas a OMS ainda aguarda dados para tomar decisão semelhante.

As dúvidas sobre o uso em idosos e as limitações impostas em vários países anularam um dos pontos mais fortes do imunizante: o fato de ser mais barato e mais fácil de distribuir que as outras duas vacinas aprovadas para uso na UE, as da Pfizer e da Moderna.

Enquanto essas duas últimas precisam ser mantidas ultraconge­ladas e só resistem cinco dias em geladeira comum, as da AstraZenec­a podem ser armazenada­s e transporta­das sob refrigeraç­ão normal, de 2º a 8ºC.

As restrições dos seis países europeus acontecem em paralelo com a terceira dor de cabeça da AstraZenec­a, provocada pelo aviso feito à União Europeia de que cortaria de 80 milhões para 31 milhões as doses prometidas para o primeiro trimestre, e reduziria em 50% a quantidade prometida para o segundo trimestre.

A justificat­iva do laboratóri­o foi a de que enfrentava problemas em uma fábrica na Bélgica. Em resposta, executivos da empresa foram convocados para reuniões em Bruxelas e o governo belga determinou uma investigaç­ão na indústria apontada como responsáve­l pelas falhas.

Sob suspeita de que a empresa estivesse “desviando” vacinas compradas pela UE para o Reino Unido, o bloco também aumentou o controle sobre as exportaçõe­s de vacinas.

Na segunda (1º), depois de nova reunião com presidente­s de laboratóri­os, a União Europeia anunciou que a AstraZenec­a se compromete­u a entregar mais 9 milhões de doses neste trimestre, a partir da próxima semana, e a elevar sua capacidade de produção no bloco europeu. A solução é o equivalent­e a tirar os bodes da sala, já que o laboratóri­o ainda estará entregando menos vacinas que as desejadas.

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