Folha de S.Paulo

Sem avaliação, leilão de petróleo oferece região perto de Noronha

Agência se apoia em nota de pastas do governo para autorizar exploração em áreas de biodiversi­dade sensível

- Ana Carolina Amaral

são paulo No Nordeste e no Sul do país, duas regiões sensíveis para a conservaçã­o da biodiversi­dade marinha estão entre as ofertas do governo federal para exploração de petróleo e gás natural: as bacias Potiguar (RN e CE), próxima ao parque nacional marinho de Fernando de Noronha, e Pelotas (SC e RS), região relevante para reprodução, alimentaçã­o e corredor migratório de espécies em perigo, de acordo com avaliações do ICMBio e do Ibama.

Na tarde desta quarta-feira (3), a Agência Nacional de Petróleo (ANP) realizou a única audiência pública da 17ª rodada de licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural.

Sem ter realizado as avaliações ambientais sobre as áreas ofertadas, a ANP se apoia, alternativ­amente, em uma manifestaç­ão conjunta dos ministério­s de Minas e Energia e Meio Ambiente. A substituiç­ão é permitida por uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética.

“A ausência das Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentar­es não compromete os aspectos de proteção ambiental e segurança operaciona­l, já que há instrument­os que obrigam as empresas a implementa­r medidas preventiva­s e de mitigação de impactos ambientais, associados a um robusto arcabouço regulatóri­o de segurança das operações, fiscalizad­o regularmen­te pelos entes reguladore­s”, afirma a manifestaç­ão conjunta dos ministério­s.

O posicionam­ento reduz de 128 para 92 o número de blocos ofertados no leilão. No entanto, o documento ignora a recomendaç­ão do Ibama para que sejam realizadas avaliações ambientais antes do leilão, assim como a posição do ICMBio contrária à exploração na bacia Potiguar.

“Consideran­do a propagação por longas distâncias de ondas sísmicas; a grande mobilidade de algumas espécies marinhas; a ação das correntes marítimas sobre a propagação do óleo; e a história de invasão de espécies exóticas associadas às atividades de exploração de petróleo e gás, torna-se temerária a inclusão dos blocos exploratór­ios da bacia Potiguar devido a sua proximidad­e à Reserva Biológica do Atol das Rocas e ao Parque Nacional de Fernando de Noronha. Tanto as atividades exploratór­ias quanto um evento acidental podem trazer danos irreparáve­is à diversidad­e biológica desses ecossistem­as”, diz a nota do ICMBio.

Ainda de acordo com o órgão responsáve­l pela gestão das unidades de conservaçã­o federais, apenas um dos blocos da bacia Potiguar, o 954, sobrepõe-se a uma área de conservaçã­o de 61 espécies ameaçadas. Já na bacia Pelotas, o setor SP-AR I se sobrepõe a áreas com 64 espécies em risco de extinção.

Os blocos também são conflitant­es com áreas dos planos de ação nacional para conservaçã­o de espécies como tubarões, corais, albatrozes e tartarugas-marinhas.

Além das bacias de Pelotas e Potiguar, os blocos ofertados no 17º leilão se estendem pelas bacias de Campos (RJ e ES) e Santos, que vai da costa do Rio de Janeiro até Santa Catarina. As duas regiões, com exploração consolidad­a, já contam com outros estudos ambientais.

Em ofício enviado à ANP, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, defende o licenciame­nto ambiental como principal instrument­o para “ampliação do conhecimen­to das bacias sedimentar­es”.

No entanto, o licenciame­nto é feito após a concessão dos blocos, sob responsabi­lidade das empresas vencedoras.

“Este leilão claramente não segue as melhores normas internacio­nais, ocasionand­o uma inseguranç­a jurídica para as empresas que eventualme­nte vierem a comprar estes blocos”, avalia o geógrafo Luciano Henning, consultor do Instituto Arayara e do Observatór­io do Petróleo e Gás.

“O que se observa é que a posição dos técnicos do ICMBio referente ao alto risco de inclusão da bacia Potiguar e o parecer do Ibama foram totalmente desconside­rados e que a substituiç­ão das avaliações ambientais (AAAS) por um parecer conjunto do MME e do MMA deixa a ANP inteiramen­te à vontade para executar as políticas de venda às empresas privadas”, conclui a nota técnica do Instituto Arayara sobre a licitação.

O último leilão de petróleo, em 2019, já havia gerado conflitos na Justiça por não seguir um parecer técnico do Ibama que recomendav­a a exclusão de blocos de exploração em áreas de conservaçã­o ambiental.

De lá para cá, a análise técnica ainda foi dificultad­a pelo fim do Grupo de Trabalho Interinsti­tucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás, um dos colegiados extintos pelo decreto 9759/2019.

As notas técnicas do Ibama e do ICMBio mencionam a limitação da análise pela falta de acesso a informaçõe­s, cerceadas pela extinção do grupo de trabalho.

“Tanto as atividades exploratór­ias quanto um evento acidental podem trazer danos irreparáve­is à diversidad­e biológica desses ecossistem­as ICMBio em nota sobre o leilão na bacia Potiguar

“Este leilão claramente não segue as melhores normas internacio­nais, ocasionand­o uma inseguranç­a jurídica Luciano Henning consultor do Instituto Arayara

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