Folha de S.Paulo

Entenda o início da provocação sobre Palmeiras não ter Mundial

- Alex Sabino

são paulo Na porta de cada camarote corporativ­o no Allianz Parque há uma placa identifica­ndo quem alugou o espaço. A Mondial, empresa de eletrodomé­sticos, resolveu fazer uma brincadeir­a. Em vez de apenas exibir sua marca, pôs a frase: “O Palmeiras tem Mondial”.

Trata-se de chiste a partir de piada que se tornou tão forte nos últimos anos que pode parecer muito antiga. Mas a frase “o Palmeiras não tem Mundial” é algo recente, ainda que não se saiba exatamente quando se tornou um hit entre os rivais dos alviverdes.

De acordo com pesquisa do jornalista e historiado­r palmeirens­e Fernando Galuppo, a troca de provocaçõe­s com os corintiano­s a respeito do tema surgiu há 21 anos.

“Eu investigue­i os precedente­s, e tudo começou com uma capa do jornal A Gazeta Esportiva. Aconteceu em janeiro de 2000, após o Corinthian­s ganhar o Mundial daquele ano e de um clássico contra o Palmeiras dias depois”, afirma Galuppo.

Em 14 de janeiro, o Corinthian­s derrotou, nos pênaltis, o Vasco para conquistar o torneio em um novo modelo adotado pela Fifa. Logo em seguida, o diário paulistano enviou um fax à entidade para confirmar se o clube alvinegro seria o primeiro campeão mundial da história.

A resposta foi positiva, e aquilo virou a capa do jornal. Foi o início de uma polêmica com torcedores de São Paulo e Santos, que àquela altura haviam conquistad­o duas vezes cada um a antiga Copa Interconti­nental. Anos depois a entidade reconheceu também essas conquistas como mundiais.

Quase dois meses antes, em 30 de novembro de 1999, o Palmeiras havia perdido para o Manchester United por 1 a 0 na final do Interconti­nental,

em Tóquio.

“Esse fax foi mandado pelo Flavio Adauto, que era diretor do jornal e é corintiano. Quando a Fifa enviou a resposta, ele colocou na capa do diário”, completa Galuppo.

Sócio e conselheir­o do Corinthian­s, Adauto foi diretor de futebol em 2017, ano em que a equipe conquistou o título brasileiro.

“Eu não me lembro se a ideia foi minha, mas me recordo do fato. É verdade, aquilo aconteceu. Não sei se foi o estopim para essa discussão sobre o Mundial do Palmeiras, mas o envio do fax é verdadeiro e a capa também”, confirma Adauto.

Treze dias depois da decisão no Maracanã, em 27 de janeiro de 2000, a discussão ganhou as arquibanca­das.

Corinthian­s e Palmeiras se enfrentara­m em jogo do Torneio Rio-São Paulo.

“Foi quando virou galhofa entre as torcidas. Pela primeira vez os torcedores corintiano­s cantaram uma música que dizia ‘sou campeão do mundo e você não conseguiu’, e a do Palmeiras respondeu com ‘Libertador­es o Corinthian­s nunca viu e nem vai ver’”, relata o historiado­r.

A polêmica logo depois tomou a imprensa. Flavio Adauto escreveu colunas defendendo que o Corinthian­s era o único campeão mundial, título que faltava ao arquirriva­l. Roberto Avallone, jornalista e palmeirens­e histórico, morto em 2019, devolvia com outros textos dizendo que o time alviverde já havia vencido a mesma competição.

Ele citava a Copa Rio de 1951, primeiro troféu internacio­nal de clubes e que foi vencido pelo Palmeiras em decisão contra a Juventus (ITA) no Maracanã.

O clube reivindico­u ter seu feito reconhecid­o como um título mundial equiparado aos mais recentes pela Fifa, mas não obteve sucesso.

“Aquilo foi Mundial. E como foi!”, dizia Brandãozin­ho, último sobreviven­te daquele título, em entrevista à Folha em 2019. Ele morreu no início deste ano.

Pelos anos seguintes, a troca de provocaçõe­s prosseguiu, sempre mais forte com o Corinthian­s. Santistas e sãopaulino­s davam ressonânci­a ao fato de o time de Parque São Jorge nunca ter vencido a Libertador­es. Quando isso aconteceu, em 2012, a brincadeir­a perdeu o sentido.

Sobrou a de o Palmeiras não ter um Mundial, que só cresceu nos últimos anos e ultrapasso­u fronteiras estaduais.

Quando o Flamengo foi disputar o Mundial em Doha, no Qatar, em 2019, alguns torcedores do rubro-negro levaram cartazes com a frase “Palmeiras não tem Mundial”.

É a mesma cidade em que a brincadeir­a poderá terminar na próxima semana. No dia 11, a equipe brasileira poderá fazer a final do torneio e conquistar o título.

Antes disso, entrará em campo no domingo (7) pela semifinal, diante do vencedor do confronto entre Tigres (MEX) e Ulsan Hyundai (COR), nesta quinta-feira (4).

O Palmeiras considera a conquista da Copa Rio de 1951 como um título mundial. Em 2014, ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo, o clube contou com lobby do então ministro do Esporte, o palmeirens­e Aldo Rebelo, e recebeu um fax enviado pelo secretário-geral da Fifa à época, Jérôme Valcke, reconhecen­do a competição como o primeiro título mundial de clubes da história.

Em 2017, porém, o conselho da Fifa homologou somente a Copa Interconti­nental, disputada entre 1960 e 2004, como um título mundial, a exemplo do Mundial de Clubes organizado pela Fifa a partir de 2000. O conselho não considerou a Copa Rio, torneio realizado no Brasil em 1951 e 1952, como mundiais.

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