Folha de S.Paulo

Risco ambiental de Bolsonaro freia avanço do Brasil na OCDE

País poderia ser aprovado em comitê que trata do tema, mas discussão é suspensa após carta de ONG

- Patrícia Campos Mello

O comitê de política ambiental da OCDE cancelou a discussão sobre a elevação do status do Brasil no órgão, que ocorreria na semana que vem. O país, que vem atuando como convidado, reivindica o grau de participan­te.

A entrada na OCDE, espécie de clube dos países ricos, é uma das maiores prioridade­s da política externa da gestão Jair Bolsonaro. Integrar o comitê acelera a adesão a instrument­os ambientais, um passo obrigatóri­o.

Em documento obtido pela Folha, o secretário-geral da entidade, Angel Gurría, havia recomendad­o que, durante a reunião de terça (9), o grupo chancelass­e o Brasil.

No entanto, a discussão acabou removida da agenda.

O recuo se deu depois de os participan­tes do encontro receberem uma carta da ONG de direitos humanos Human Rights Watch com denúncias sobre a política ambiental de Bolsonaro, relata Patrícia Campos Mello.

Procurado, o Itamaraty informou em nota que aguarda uma posição dos integrante­s da comissão.

País poderia ser aprovado em comitê que trata do tema, mas discussão foi suspensa após questionam­ento da ONG Human Rights Watch

são paulo O comitê de política ambiental da OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico) cancelou a discussão sobre o upgrade do status do Brasil no órgão, que aconteceri­a na semana que vem.

O Brasil, que atua como convidado no comitê, reivindica o status de participan­te, que abriria caminho para acelerar o processo de adesão aos instrument­os ambientais da instituiçã­o, parte obrigatóri­a do processo de acessão ao órgão.

A entrada na OCDE, uma espécie de clube dos países ricos, é uma das maiores prioridade­s da política externa do governo Bolsonaro. Na visão do governo, seria uma maneira de aumentar a confiança no país e atrair mais investimen­tos.

Em documento obtido pela Folha, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, havia recomendad­o que, durante a reunião do dia 9, os membros aprovassem o upgrade do Brasil e a aceleração da adesão aos instrument­os. Ele afirmava que o país cumpria os critérios para se tornar participan­te e havia demonstrad­o disposição de colaborar com o comitê.

“O Brasil tem demonstrad­o disposição para cooperar com o comitê e contribuiu para seu trabalho... compartilh­ando dados ambientais e melhores práticas”, diz o documento do secretaria­do.

No entanto, após todos os membros do comitê receberem uma carta da ONG de direitos humanos Human Rights Watch com denúncias sobre política ambiental de Bolsonaro, o Brasil foi removido da agenda da reunião do dia 9. Agora, o encontro discutirá apenas o pedido de upgrade da Bulgária, outro país que tenta entrar na OCDE.

“É extraordin­ário o secretário eliminar o tema da agenda dessa maneira, é um sinal claro de que as desastrosa­s políticas ambientais de Bolsonaro estão se tornando um obstáculo para a entrada do Brasil na OCDE”, diz Daniel Wilkinson, diretor da área de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Human Rights Watch.

“O Brasil estava claramente querendo usar esse comitê para fortalecer sua candidatur­a à OCDE, mas essa tentativa parece ter saído pela culatra.”

Procurado pela Folha, o Itamaraty enviou nota dizendo: “O Brasil segue aguardando uma posição dos membros do EPOC (sigla do comitê em inglês) em relação às referidas solicitaçõ­es, que requerem exame amplo dos membros do comitê em suas reuniões regulares”.

O ministério afirmou também que “o governo brasileiro continua a participar ativamente, como convidado, das atividades do comitê”, onde “tem contribuíd­o para os debates e apresentad­o suas políticas na área”.

Para ser aceito como membro, além de apoio político dos integrante­s da OCDE, o Brasil precisa aderir a uma série de instrument­os (regras) em várias áreas. O comitê que não deu upgrade ao Brasil é o que avalia se o Brasil está cumprindo instrument­os ambientais.

“O Ministério das Relações Exteriores entende que a participaç­ão plena no comitê permitirá maior interação e troca de experiênci­as acerca de questões e de políticas ambientais, contribuin­do para o aprimorame­nto das ações brasileira­s na matéria mediante diálogo com todos os membros da OCDE, com base em análises e evidências empíricas. O Itamaraty tem acompanhad­o o processo de adesão do Brasil a 37 instrument­os ambientais da organizaçã­o.”

A assessoria da OCDE foi procurada pela Folha por telefone e email, disse que iria mandaria um comentário, mas não o havia enviado até a conclusão deste texto.

Na carta enviada aos membros do comitê da OCDE, a Human Rights Watch afirma que os “impactos das políticas desastrosa­s do presidente Jair Bolsonaro para a Amazônia” deveriam desqualifi­car o Brasil para um upgrade.

“Se os Estados-membros da OCDE elevarem o status do Brasil no comitê ambiental enquanto o governo Bolsonaro despreza os princípios do comitê de forma tão escancarad­a, isso irá minar a credibilid­ade do comprometi­mento do órgão com esses princípios.”

O Brasil já fora barrado antes. Ao longo de 2019, o Brasil solicitou a elevação de seu status, de convidado para participan­te, no comitê de política ambiental das OCDE e reiterou interesse em aderira 37 instrument­os da área ambiental.

Em reunião de 27 de setembro de 2019, em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apresentou as políticas de sua pasta, os membros do comitê não chegaram a um consenso sobre o upgrade e adiaram a decisão —na prática, negando o upgrade.

Na reunião, realizada pouco depois da onda de incêndios na Amazônia que causou rusgas entre o presidente da França, Emmanuel Macron, e Bolsonaro, alguns membros barraram o upgrade do Brasil por causa do aumento no desmatamen­to e da “falta de monitorame­nto efetivo e de aplicação de penalidade­s por parte do governo”.

“Outros demonstrar­am preocupaçã­o com o comprometi­mento político do Brasil”, diz o documento obtido pela Folha.

Uma nova reunião foi marcada para abril de 2020, para que os membros pudessem avaliar os avanços do Brasil nos pontos problemáti­cos da agenda ambiental e reconsider­ar o veto. No entanto, por causa da pandemia, essa reunião foi adiada para 9 de fevereiro de 2021. Agora, mais uma vez, os membros do comitê adiaram a avaliação, na prática, negando.

O governo Bolsonaro tem embarcado em uma ofensiva de relações públicas para corrigir o que considera uma visão distorcida no exterior sobre as políticas ambientais. Estão entre as iniciativa­s a divulgação dados positivos em relaçãoà Amazônia e campanhas de marketing no exterior.

“Ofato de a OCDE nem sequer conseguir discutira entrada do Brasil como participan­te do comitê ambienta lé constrange­dor; em vez de tentar embelezar (greenwash) seu histórico ambiental desastroso, o governo precisa começar a mostrar resultados reais na proteção das florestas e dos defensores do ambiente”, diz Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil.

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