Folha de S.Paulo

Doria desiste de entrega fatiada do Rodoanel

Previsão agora é retomar obras até dezembro, por meio de novos contratos; projeto marcado por suspeitas de corrupção fica para 2024

- Carolina Linhares e José Marques

Após uma série de adiamentos e a suspensão de uma licitação pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), o governo João Doria (PSDB) desistiu de inaugurar parte da obra do trecho norte do Rodoanel ainda em 2022. O tucano perde assim uma de suas principais vitrines na eleição presidenci­al que pretende disputar.

Após uma série de adiamentos e a suspensão de uma licitação pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), o governo João Doria (PSDB) desistiu de inaugurar parte da obra do trecho norte do Rodoanel ainda em 2022, a tempo da eleição presidenci­al que o tucano pretende disputar.

O governo paulista decidiu propor um novo modelo de concessão, que obriga a empresa vencedora a concluir as obras do trecho antes de explorá-lo comercialm­ente.

Na prática, isso inviabiliz­a a principal vitrine de legado de mobilidade que o governador pretendia apresentar na campanha do ano que vem.

Além do porte do Rodoanel, que circunda a região central da Grande São Paulo e diminui o tráfego de carga nas marginais, a obra se arrasta há mais de 20 anos e virou símbolo de suspeitas de corrupção.

O fim da construção beneficiar­ia não apenas a campanha de Doria à Presidênci­a, mas também uma eventual tentativa de eleição ao Governo de São Paulo do atual vice, Rodrigo Garcia (DEM).

O anel viário começou a sair do papel em 1998, na gestão tucana de Mário Covas, e ainda está incompleto. Falta entregar o Rodoanel Norte, uma das quatro divisões previstas no projeto, que terá ao todo 176 km.

O novo modelo de concessão foi proposto em reunião conjunta dos conselhos do programa de desestatiz­ação e do programa de parcerias público-privadas, em 10 de dezembro. A decisão teve o aval do vice-governador e dos secretário­s de Logística e Transporte­s, João Octaviano, e de Projetos, Orçamento e Gestão, Mauro Ricardo.

Com isso, será preparada nova licitação —a previsão é de seja lançada neste segundo semestre. Já o cronograma anterior estabeleci­a que as obras seriam retomadas neste mês de fevereiro e começariam a ser entregues em agosto de 2022, ainda que a conclusão do trecho completo ficasse apenas para 2023.

“Até dezembro de 2021, a expectativ­a é assinar o contra

to com retomada das obras”, afirma Garcia.

No governo, a previsão é a de que parte das obras sejam entregues 12 meses após a assinatura do contrato, e o restante em 24 meses. A estimativa é que o restante da obra custe R$ 1,5 bilhão.

O trecho norte do Rodoanel começou a ser construído em 2013 e tinha previsão inicial para ser entregue em 2016. Quando pronto, terá 44 km de extensão e um acesso ao aeroporto de Guarulhos. Ao todo são seis lotes.

Três deles estão em fase de construção mais avançada e poderiam ser entregues antes, mas o potencial de arrecadaçã­o com pedágios está nos outros três lotes. A ideia inicial do governo era inaugurar a obra aos poucos e, até a entrega total, manter os pedágios gratuitos.

A medida, no entanto, traria prejuízo aos cofres públicos, segundo auxiliares de Doria. Isso porque o trecho aberto antes teria desgastes e custos de manutenção que não poderiam ser cobertos pela arrecadaçã­o com pedágios do trecho ainda em obras.

“Entendemos que o concession­ário tem todo o interesse em terminar as obras e entregá-las à população para poder iniciar a sua operação”, afirma o vice-governador.

Nos bastidores, aliados de Doria minimizam a perda eleitoral com a não entrega do Rodoanel Norte até 2022.

Eles afirmam que, se o governador estivesse focado apenas em eleição, determinar­ia a inauguraçã­o mesmo com os prejuízos previstos, mas, como o compromiss­o é com o estado e as próximas gerações, o legado pode atrasar.

No lugar do Rodoanel, Doria terá um pacote de obras rodoviária­s, menores, para apresentar como vitrine. Isso inclui a duplicação da Estrada do M’Boi Mirim e o Programa Novas Vicinais, que irá disponibil­izar R$ 700 milhões para recuperar estradas administra­das pelos municípios.

Ao longo dos anos, a construção do Rodoanel Norte teve paralisaçõ­es e pedidos das empreiteir­as de mudanças contratuai­s que encarecera­m as obras. Em 2018, a obra foi alvo da Operação Pedra no Caminho, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que investigou suspeitas de fraudes na construção.

Foram presos à época o exsecretár­io de Transporte­s Laurence Casagrande e o ex-diretor de Engenharia da Dersa (estatal de rodovias) Pedro de Souza. Ambos sempre negaram qualquer irregulari­dade.

Os problemas nas obras fizeram o governo desfazer unilateral­mente os contratos com as empreiteir­as, o que rendeu uma disputa na câmara de arbitragem, na qual as companhias se dizem prejudicad­as e fazem cobranças financeira­s ao estado. Ao mesmo tempo, o estado de São Paulo cobra supostos prejuízos aos cofres públicos causados pelas empresas. O conflito ainda não foi encerrado.

A gestão Doria planejou a retomada da obra do Rodoanel Norte após ter encomendad­o do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológic­as), órgão ligado ao governo, uma avaliação da situação das obras paradas.

O estudo identifico­u 59 anomalias graves no trecho paralisado. Com esse laudo nas mãos desde o início de 2020, o governo começou a preparar o lançamento do edital, mas foi atrasado pela pandemia e só publicou a concorrênc­ia em setembro passado.

Logo depois, em outubro, o TCE determinou a suspensão da licitação no valor de R$ 1,5 bilhão após questionam­entos da Prefeitura de Guarulhos e do senador Major Olímpio (PSL-SP).

Desde 2018, já havia inclusive vencedora de licitação para a operação do Rodoanel Norte, a Ecorodovia­s. Mas com o novo modelo de concessão, a concorrênc­ia foi cancelada.

Procurada, a Ecorodovia­s afirma que “entende a decisão do Governo do Estado de São Paulo” e “está confiante que haverá novas oportunida­des em função do robusto pipeline de privatizaç­ões de rodovias tanto dos governos estaduais como federal.”

Para a retomada das obras, o governo definiu uma série de medidas para ampliar a transparên­cia e evitar eventuais denúncias de corrupção ou de irregulari­dades.

Por exemplo, o controle remoto até sobre o deslocamen­to dos caminhões que trabalharã­o nos canteiros. A ideia é que todos os veículos, inclusive tratores, tenham chips que permitam o acompanham­ento em tempo real.

Além disso, será lançado um site de transparên­cia que permitirá aos usuários acessarem em tempo real o andamento das obras, os seus gastos e ter informaçõe­s sobre as empresas vencedoras.

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Danilo Verpa 29.mai.2019/ Folhapress Imagem de 2019 mostrava problemas em trecho não concluído do Rodoanel Norte, próximo ao Jardim Damasceno

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