Folha de S.Paulo

Empresa pode exigir uniforme e orientar visual no trabalho, mas não impor

Se cobrar unhas feitas e maquiagem, empregador deve arcar com custos; saiba o que vale e o que não vale

- Bárbara Blum

são paulo Ao longo da pandemia, não faltaram piadas sobre reuniões em que funcionári­os estavam de camisa social por cima e pijama e chinelo na parte de baixo.

Flexibiliz­ada durante o período, a vestimenta no trabalho é um tema que gera dúvidas tanto dos empregados quanto dos empregador­es. Afinal, até onde a empresa pode ir ao determinar o estilo dos funcionári­os?

Segundo as advogadas trabalhist­as Fabíola Marques e Janaina Fernandes, não há uma legislação rígida que defina os limites do que o empregador pode exigir dos empregados, e as decisões judiciais sobre o tema ainda dependem das provas apresentad­as e dos juízes.

O artigo 456 da lei nº 13.467, de 2017, estabelece que “cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identifica­ção relacionad­os à atividade desempenha­da”.

Quando existe a necessidad­e do uso de uniforme, segundo Marques, a empresa precisa fornecer tudo o que exige. “O empregado não pode gastar para o exercício de suas atividades”, diz.

Esse gasto inclui, por exemplo, manicure, cabeleirei­ro e maquiagem. “Quando são obrigatóri­os, várias decisões judiciais já reconhecem o direito ao ressarcime­nto dos valores gastos”, afirma Marques.

Segundo Fernandes, o artigo de 2017 da lei não deixa dúvida de que a empresa pode definir um dress code, que funciona como um guia de vestimenta para funcionári­os. “Mas o dress code que não é o uniforme pago é apenas uma orientação. Qualquer especifica­ção mais detalhada, como pedir determinad­as marcas ou cores, deve ser suportada financeira­mente pelo empregador”, afirma.

Laura trabalhava na recepção de uma empresa com a orientação de usar roupa social. Ela vestia um blazer vermelho quando teve a atenção chamada por funcionári­os do RH. Mesmo sem restrição prévia de cor, o blazer se tornou ponto de desconfort­o.

“Disseram que a cor não era adequada para uma recepção, pois chamava muita atenção para outras partes do corpo. Fiquei tão envergonha­da que comprei outro blazer no horário do almoço. A gerente de RH passou na recepção e deu um sorriso, falou que estava muito melhor”, conta.

Segundo a consultora de estilo e professora da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) Manu Carvalho, profissões do mundo corporativ­o, além das áreas de direito e finanças, são as que ainda costumam exigir maior decoro. “Elas usam a alfaiatari­a porque é uma vestimenta antiga, que passa confiança, previsibil­idade”, diz.

A moda, porém, muda com o tempo. A partir dos anos 1980, com a ascensão da “casual friday”, as vestimenta­s de trabalho foram flexibiliz­adas. “Empresas começaram a liberar o terno e gravata e permitir só a camisa pensando que depois do trabalho o empregado ia sair, se divertir”, diz João Braga, professor de história da moda na Faap.

No processo seletivo de estágio da rede Ipiranga, a vestimenta flexível foi um dos benefícios anunciados.

Segundo a diretora de pessoas e organizaçã­o da rede, Luciana Domigala, a abolição total de diretrizes de vestimenta, implementa­da há dois anos, foi bem recebida pela equipe. “Quanto mais autêntico um funcionári­o puder ser, melhor ele vai desempenha­r as funções”, afirma

Esse tipo de abertura deu espaço para o surgimento de novas discussões sobre liberdade individual no trabalho.

Apesar de nem sempre obrigatóri­o, o uso de maquiagem é um dos aspectos mais demandados de funcionári­as.

“Costumo passar só protetor solar, mas no meu primeiro dia eu passei corretivo e rímel. Estava me sentindo supermaqui­ada. Quando cheguei, a primeira coisa que minha chefe disse é que eu deveria usar mais maquiagem, já que atendíamos aos clientes”, conta a arquiteta Caroline, 23, que trabalhava em uma loja de iluminação.

A situação não se restringe ao atendiment­o —também é comum em escritório­s. É o caso de Sílvia, 27, produtora de TV. “Eu ouvi desde ‘vai passar uma maquiagem nessa cara’ até colegas diretos me incentivan­do a não comer para perder peso.”

A gordofobia, assim como discrimina­ção racial, de gênero e de sexualidad­e, também aparece na forma de comentário­s relacionad­os ao estilo.

Naiara, 23, assistente de operações na indústria química, viu de perto uma situação que considerou discrimina­tória com uma colega, negra, que havia feito dreadlocks. “Durante o almoço, um funcionári­o começou a fazer perguntas sobre a higiene do penteado e comentou que, mesmo lavado, aparentava sujeira.”

“Se um homem resolve usar saia, batom e unha pintada, ele tem o direito de trabalhar assim”, afirma a advogada Fabíola Marques. “E uma empresa não pode exigir alisamento de um funcionári­o com cabelo crespo. Dependendo da forma como o assunto é abordado, pode ser considerad­o dano moral e assédio moral”, diz.

A consultora de estilo Manu Carvalho, da Faap, afirma que reparar na forma como os chefes e as pessoas que você admira no trabalho se vestem é um bom caminho para entender a forma adequada de se vestir. “Se houver espaço, pense na sua individual­idade como algo que pode fortalecer sua posição”, diz.

Depois de uma experiênci­a na qual se sentia pressionad­a a usar maquiagem todos os dias, Maria Thereza deixou a preocupaçã­o de lado ao mudar de emprego para uma ONG. “Quando vi que a chefe não usava maquiagem, passei a não usar mais.”

Manu Carvalho diz também que não se deve gastar demais no visual. “A moda nunca deve te deixar endividado.”

Os profission­ais ouvidos nesta reportagem falaram sob a condição de não revelar seus nomes.

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Ilustração Catarina Pignato

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