Folha de S.Paulo

Liderança do povo baniwa, lutou contra a mineração ilegal

ISAÍAS FONTES (1968-2021)

- Fabiano Maisonnave coluna.obituario@grupofolha.com.br

SÃO PAULO São poucos os lugares no mundo mais remotos do que Ucuqui Cachoeira, onde Isaías Fontes nasceu. Fincada às margens do igarapé Uaranã, afluente do rio Ayari, essa comunidade do povo baniwa dista cerca de 300 km e alguns dias de barco até São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade mais próxima.

Para os baniwas, no entanto, é ali que se encontra o “umbigo do mundo”, a cachoeira Hipana (Wapuí, nos mapas oficiais), de onde surgiu a humanidade. Membro da Hohodene, uma das grandes linhagens (fratrias) dos baniwas, ele cresceu nesse lugar sagrado entre xamãs e foi alfabetiza­do por missionári­os católicos antes de se tornar uma de suas lideranças mais importante­s do Alto Rio Negro, vasta região no noroeste amazônico com 23 povos.

“Foi amigo, parceiro de luta e inspiração para mim”, diz André Baniwa, 49, vicepresid­ente da Oibi, organizaçã­o que fundou com Fontes, seu primo-cunhado de acordo com a tradição baniwa.

“Isaías era atencioso, cuidava das pessoas. Acatava a ideia dos outros. Nunca dizia ‘eu’, era ‘nós’. Ele tinha um jeito coletivo de mandar.”

Em 1992, Fontes, André e outras lideranças criaram a Organizaçã­o Indígena da Bacia do Içana (Oibi), que articulou as comunidade­s baniwas na defesa do território e na aliança com os outros povos do Alto Rio Negro. Colaborou em projetos como a comerciali­zação da inconfundí­vel cestaria tradiciona­l e a implantaçã­o das Casas de Pimenta Baniwa, hoje vendida em diversas cidades do país.

Nos últimos anos, Fontes foi representa­nte baniwa da Federação das Organizaçõ­es Indígenas do Rio Negro (Foirn). Atuou contra a tentativa de extração ilegal de tantalita, um minério raro, ao longo do rio Içana. Mobilizou as comunidade­s contra o assédio de um empresário e o denunciou ao Ministério Público Federal.

Também se preocupou com o registro e a transmissã­o da cultura baniwa, povo que habita também a Colômbia e a Venezuela, com cerca de 18 mil pessoas. “Até hoje, tenho a carta que ele me mandou em 1997 convidando a produzir um livro sobre as histórias antigas dos seus avós”, afirma o antropólog­o norte-americano Robin Wright, da Universida­de da Flórida (EUA).

Fontes morreu aos 53 anos com Covid-19 na última segunda (1), em Manaus. Deixa mulher, dois filhos e um neto.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil