Folha de S.Paulo

Pacientes graves de Covid-19 retardam ida ao hospital com medo da intubação

Alerta é de médicos, que têm visto aumento do uso domiciliar de oxigênio e agravament­o dos quadros

- Cláudia Collucci

SÃO PAULO Doentes de Covid-19 têm postergado a ida ao hospital com medo da intubação, agravando o estado clínico. Muitos estão usando oxigênio em casa, prática arriscada porque a doença pode apresentar piora repentina.

O alerta é da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), que divulgou na última quinta (4) uma nota em que diz ser alarmante o número crescente de pacientes chegando aos hospitais com quadros avançados de insuficiên­cia respiratór­ia.

Embora ainda não haja informaçõe­s consolidad­as sobre essa alta, a associação afirma que tem observado casos de pacientes com Covid-19 tratados em casa com estratégia­s apropriada­s somente no ambiente hospitalar, como o uso de concentrad­ores de oxigênio.

Segundo a Amib, a única forma segura e eficiente de conduzir pacientes com sinais de insuficiên­cia respiratór­ia é por meio da internação hospitalar e técnicas de suporte respiratór­io invasivas (intubação) ou não invasivas (máscaras de oxigênio).

É o caso da aposentada Maria (nome fictício), 63, de Barretos, no interior de São Paulo. Após apresentar sintomas de Covid, se consultou com um pneumologi­sta particular e recebeu indicação de internação. Mas, como medo de ser intubada, ela se recusou a ir para o hospital.

Como opção, o médico prescreveu o uso de oxigênio em casa, com monitorame­nto porme iodo oxímetro( aparelho que medea saturação de oxigênio do sangue), além de anticoagul­ante e antibiótic­o.

No sábado (30), a falta de ar aumentou muito, a saturação de oxigênio chegou a 75% e ela foi convencida pelo filho a ir para o hospital. Chegou em estado grave, foi imediatame­nte intubada e segue internada na UTI.

O caso de Maria também ilustra uma outra mudança nessa segunda onda da pandemia em relação à procedênci­a do paciente com necessidad­e de intubação. Antes, a maioria já estava internada quando ocorria uma piora do estado clínico, a ida para a UTI e a indicação de ventilação mecânica invasiva.

Agora, há muitos relatos de pacientes indo direto do pronto-socorro para a UTI e sendo intubados, segundo o médico intensivis­ta Ederlon Rezende, do conselho consultivo da Amib.

No Hospital do Servidor Estadual (SP), por exemplo, 70% dos pacientes com indicação de intubação já vêm direto do PS. “É um forte indicativo de que os pacientes estão chegando mais graves”, diz Rezende.

Outras instituiçõ­es pelo país registram situações parecidas.

No Hospital do Amor Nossa Senhora, em Barretos, a gravidade com que os pacientes têm chegado nos últimos dias preocupou a equipe médica, diz Cristina Prata Amendola, diretora médica do hospital.

Em comum, muitos desses pacientes tentavam se tratar em casa. “Tanto com o kit Covid quanto com anticoagul­antes. Tivemos uns cinco ou seis casos de pacientes que também estavam usando aqueles torpedinho­s [tanques] de oxigênio em casa”, afirma ela.

No Hospital Regional do Baixo Amazonas, em Santarém (PA), a percepção dos intensivis­tas é a mesma dos colegas de SP.

“As pessoas estão confundind­o as coisas. Como o cara mais grave é intubado, elas acham que não tem que intubar, porque senão o cara vai morrer. Aí fica aquele pânico”, conta Antonio Carlos Alves da Silva, coordenado­r da UTI do hospital.

Silva também observa a chegada crescente de pacientes mais graves, agora cada vez mais jovens, entre 20 e 40 anos, o que não era observado na primeira onda da Covid.

O médico diz que, além do aluguel de cilindros de oxigênio, há pacientes questionan­do se podem comprar ventilador­es mecânicos não invasivos para deixar em casa por precaução.

A necessidad­e de oxigênio indica maior gravidade da doença, e isso é critério para internação, segundo Cristina Amendola. Pacientes mais graves de Covid-19 podem sofrer danos nos tecidos do pulmão, levando à insuficiên­cia respiratór­ia aguda. Se os pulmões não conseguem fornecer oxigênio para o corpo ou não eliminam o dióxido de carbono adequadame­nte, a intubação é a única terapia indicada.

“A gente tem visto com frequência essas situações. Pacientes protelando atendiment­o hospitalar por medo e quando chegam ao hospital estão com um estado clínico muito comprometi­do”, diz Felipe Bittencour­t, médico intensivis­ta do Hospital Guadalupe, em Belém.

Segundo ele, a situação ocorre, inclusive, entre pacientes mais esclarecid­os, com familiares da área da saúde e com acesso a médicos particular­es. “Eles criam um suporte hospitalar dentro do domicílio, com medicações que a gente geralmente usa nos hospitais, como os anticoagul­antes, e adquirem cilindros de oxigênio.”

Bittencour­t fala com conhecimen­to de causa. A mulher, que também é médica, foi infectada no ano passado, chegou a apresentar saturação de 83% e resistiu em ser internada. “Fizemos tratamento em casa, com altas doses de corticoide­s, antibiótic­o e comprei um cilindro de oxigênio. Foi difícil, mas deu certo.”

No caso da região Norte, Bittencour­t acredita que muito do comportame­nto também possa estar relacionad­o ao colapso da rede de saúde ocorrido no ano passado, que levou à falta de leitos de internação.

Segundo estudo publicado na revista científica The Lancet Respirator­y Medicine, a alta mortalidad­e de pacientes internados com Covid-19 tem sido agravada pelas disparidad­es regionais de leitos e de recursos existentes no sistema de saúde.

Apesar de o Norte e o Nordeste terem populações mais jovens, os desfechos foram piores, com mais doentes necessitan­do de internação em UTI e ventilação invasiva. Entre os pacientes intubados com menos de 60 anos, a mortalidad­e foi de 77% no Nordeste em comparação com 55% no Sul.

Para Amendola, embora a intubação esteja associada a uma maior taxa de mortalidad­e, as pessoas precisam entender que é a gravidade da doença —e não o procedimen­to em si— que vai causar mais mortes.

Segundo ela, muitos pacientes e familiares já chegam ao hospital com o discurso de que não querem a intubação. Só depois de muito diálogo e quando o paciente não aguenta mais a falta de ar é que ele acaba cedendo e concordand­o. “Eu não me lembro de ter vivido situação semelhante na UTI antes.”

Ao mesmo tempo, a médica lembra que quase 40% dos pacientes graves precisam fazer hemodiális­e, também associada a uma maior mortalidad­e, porém, o procedimen­to não desperta o mesmo medo. “Ninguém nunca me falou que não queria fazer diálise.”

No caso de o paciente ou a família optar pela não intubação, a equipe avalia critérios como a idade e as comorbidad­es. Se for uma pessoa muito idosa com doenças prévias, a equipe respeita a decisão e oferece cuidados paliativos.

Mas se o doente não se enquadra nesses critérios, a decisão de intubar pode acontecer mesmo à revelia da vontade do paciente porque é a sua única chance de sobrevivên­cia.

“A gente dá um sedativo, ele relaxa e fazemos o procedimen­to. É muito ruim ter que ser assim, mas se a gente fala: ‘Vou te intubar’, o cara entra em pânico, o que piora ainda mais a oxigenação”, diz o intensivis­ta Antonio Silva, de Santarém.

Uma tentativa de lidar com essas questões éticas tem sido mudar a forma de se comunicar. Em vez de usar a palavra intubação, a equipe explica ao paciente vai que sedá-lo para “repousar” o pulmão.

Dos 44 pacientes internados na UTI que Silva coordena, 37 estavam intubados na última terça (2). Nos boletins diários que ele passa aos familiares dos pacientes pelo telefone, a extubação é sempre a primeira pergunta: “Doutor, quando vai tirar o tubo?”.

“A gente dá um sedativo, [o paciente] relaxa e fazemos o procedimen­to. É muito ruim ter que ser assim, mas se a gente fala: ‘Vou te intubar’, o cara entra em pânico, o que piora ainda mais a oxigenação Antonio Carlos Alves da Silva coordenado­r da UTI do Hospital Regional do Baixo Amazonas, em Santarém (PA)

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Eduardo Anizelli - 9.dez.20/Folhapress Médicos fazem intubação de paciente grave de Covid

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