Folha de S.Paulo

Custo de voto em mulher é quase 70 vezes mais alto

Números nos estados ligam alerta em meio a escândalos de laranjas

- José Marques e Raphael Hernandes

são paulo e cascavel (pr) A eleição de 2020 foi marcada pela desproporc­ionalidade no valor das despesas que candidatos e candidatas tiveram para cada eleitor conquistad­o, com as mulheres gastando muito mais que os homens para obter votos. Há situações nos estados em que o custo do voto em mulheres foi dezenas de vezes superior ao dos homens de um mesmo partido. É o caso do Avante no Acre (67 vezes mais), do Pros no Rio Grande do Sul (37 vezes mais) e do PTB no Ceará (23 vezes mais). Os dados são do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e foram tabulados pelo cientista de dados Danilo Carlotti, que é pesquisado­r do Insper, consultor e colaborado­r voluntário no Ministério Público Eleitoral em São Paulo com análises que buscam encontrar suspeitas de candidatur­as de laranjas. Normalment­e, os votos das mulheres já custam mais caro que o dos homens por razões como a falta de apoio partidário. No entanto muitas vezes também são indicativo de que parte das verbas pode ter sido desviada dessas campanhas e usada para promover candidatos homens. Como a Folha apontou, até meados de dezembro chegaram à Justiça Eleitoral 243 ações por suspeita de fraude em relação à cota de gênero. Na análise de Carlotti, foram desconside­radas as pessoas que não receberam nenhum voto. Para evitar distorções, também foram removidas as candidatur­as que estavam entre as 5% que menos gastaram e as 5% que mais gastaram em cada estado. Em todo o país, o custo médio por voto em mulheres ficou em torno de R$ 82, enquanto o dos homens foi de R$ 25. Ou seja, uma mulher gastou pouco mais de três vezes que um homem para obter um voto. No estado de Pernambuco, essa diferença foi acentuada. Uma mulher gastou quase cinco vezes mais por voto no estado do que os homens. “As conjuntura­s são para o Ministério Público investigar, mas há alguns partidos em que as mulheres são desproporc­ionalmente pouco eficazes nas eleições”, afirma Carlotti. Sete candidatas gastaram mais de R$ 10 mil e receberam apenas um voto —entre os homens, a maior cifra para ter esse mesmo retorno foi de aproximada­mente R$ 7.000. Se removidos os candidatos que obtiveram votação inexpressi­va, isto é, levando em conta a metade que teve mais votos, quem teve o maior custo de voto foi a contadora Maria Jussimar Pereira da Costa Santos, a Jussi do Simião (Republican­os). Candidata a vereadora em Palmas, ela gastou R$ 147 mil e obteve apenas 70 votos —cada voto custou aproximada­mente R$ 2.100. O dinheiro de Jussi do Simião foi enviado à campanha dela pela direção nacional do Republican­os. À Justiça Eleitoral Jussi deu como justificat­iva para seus gastos principalm­ente despesas com serviços de advogados e contadores. Gastou R$ 27,5 mil em “criação para páginas na internet”. No entanto, apontou como site de campanha seu perfil pessoal do Facebook, sem foto e com 92 amigos. Procurada pela reportagem, desligou o telefone. Horas depois, respondeu em uma nota assinada com a assessora jurídica, Daniela Cerqueira. Disse que se decepciono­u “de uma forma inesperada” e se arrepende profundame­nte de ter saído candidata a vereadora, “primeira e única vez”. “Eu imaginei que seria realmente eleita, me decepcione­i, mas as coisas não são da forma que pensamos”, disse Jussi. “Fiz campanha para ser eleita vereadora, mas não tenho controle sobre o voto das pessoas. Estou certa de que tudo que recebi foi devidament­e empregado para a campanha. Não acredito em voto caro ou barato, voto é voto e para se fazer campanha são necessário­s investimen­tos em assessoria­s jurídicas e contábeis, marketing e outros gastos.” Nacionalme­nte, o Patriota foi o partido que teve a maior disparidad­e de proporção entre o custo do voto dos homens e o das mulheres. No caso da legenda, elas gastaram mais de quatro vezes mais que eles para obter um voto. Depois do Patriota, aparecem PSD e Republican­os. Por outro lado, nos partidos UP e Novo, os homens gastaram mais do que as mulheres para obterem votos. A lei determina que nenhum dos gêneros pode ter menos que 30% das candidatur­as de um partido ou coligação em eleições legislativ­as (exceto ao Senado) —na prática, isso estabelece­u uma cota para mulheres, historicam­ente sub-representa­das na política. Em 2018, o TSE entendeu que os recursos do fundo eleitoral também deveriam ser destinados aos gêneros na mesma proporção —no mínimo 30%. A especialis­ta em direito eleitoral e professora do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvi­mento e Pesquisa) Marilda Silveira afirma que “é possível que a elevação dos custos das campanhas femininas em relação ao voto envolva a existência de fraudes”, mas “não se pode chegar a essa conclusão por este único elemento”. Ela afirma que apesar dos avanços para mulheres nos últimos anos, sobretudo em relação à possibilid­ade de ter educação formal, “a participaç­ão feminina na política de forma direta continua incongruen­te”. Marilda aponta que os homens historicam­ente sempre ocuparam núcleos de poder na sociedade —em empresas, associaçõe­s e também na política— e que, hoje, “ocupar qualquer dessas posições implica em destituir um poder posto, tarefa que, inegavelme­nte, exige maiores esforços”. Ainda diz que ocupar uma função pública favorece as chances de êxito em uma nova eleição, o que é benéfico para os homens. Ressalta também que aspectos culturais acabam reduzindo a disposição de mulheres de participar da vida política. A cota de gênero foi um estímulo ao aumento da participaç­ão das mulheres na política, mas frequentem­ente esse dinheiro tem sido desviado para promoção de homens por meio de candidatur­as falsas ou não competitiv­as. Dados de prestação de contas da eleição de 2018 também mostram desproporc­ionalidade entre gastos de candidatas e candidatos no estado de São Paulo, com mulheres gastando até 20 vezes mais para cada voto conquistad­o. Em 2014, antes da cota, a disparidad­e nesse quesito era significat­ivamente menor, embora o valor total destinado às candidatas tenha crescido em 2018. Em 2018, a Folha revelou um desses esquemas, ligado ao PSL, à época partido do presidente Jair Bolsonaro. Em São Paulo, legendas como Solidaried­ade e Podemos foram alvo de ações do Ministério Público devido à suspeita de candidatas falsas ou sem condições de disputa. A reportagem procurou os três partidos que tiveram as maiores diferenças de custo de voto nos estados. O Avante não retornou. O Pros do Rio Grande do Sul, por meio do advogado Rodrigo Neves, informou que cumpriu todos os requisitos legais em relação à cota de gênero e que todas as campanhas foram reais. Ele diz ter provas fotográfic­as das atividades diárias dos candidatos e candidatas e do material de campanha de cada um. O partido, ele informa, é pequeno no estado e está se reestrutur­ando. Como em 2020 houve mais candidatos a vereador em Porto Alegre devido ao fim das coligações proporcion­ais, o voto acabou se pulverizan­do e muitos não conseguira­m o resultado esperado. No Ceará, o vice-presidente do PTB estadual, Apóstolo Ribeiro Amaral, disse que houve uma troca recente do grupo que comanda o partido e a nova proposta é abrilo “para os cidadãos de bem”, posicionad­o como direita conservado­ra e em apoio ao presidente Bolsonaro. “O projeto é sairmos em 2022 chapa cheia, e as cotas das mulheres serão cumpridas rigorosame­nte, tudo conforme a lei.”

 ?? Ricardo Moraes - 15.nov.20/Reuters ?? Eleitores em fila de posto de votação no Complexo do Alemão, no pleito municipal no Rio de Janeiro
Ricardo Moraes - 15.nov.20/Reuters Eleitores em fila de posto de votação no Complexo do Alemão, no pleito municipal no Rio de Janeiro

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil