Folha de S.Paulo

Justiça questiona ação do Coaf contra Wassef; órgão rebate

- Camila Mattoso

O juiz federal Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Federal da 1ª Região), afirmou em um acórdão do mês de dezembro que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s) cometeu duas irregulari­dades no episódio envolvendo o advogado Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro.

Como mostrou o Painel, por unanimidad­e, a 3ª Turma do tribunal considerou ilegal um Relatório de Inteligênc­ia Financeira (RIF) produzido pelo órgão sobre o advogado e trancou uma investigaç­ão em que ele era alvo no Distrito Federal.

O caso está sob sigilo. Wassef diz que é vítima de perseguiçã­o.

Em trecho do acórdão obtido pela Folha, Bello, que é relator do processo, escreveu que o Coaf utilizou seu aparato para um desvio nítido de finalidade.

Ele determinou a abertura de um inquérito na Polícia Federal para identifica­r os responsáve­is pelas supostas irregulari­dades cometidas.

As duas suspeitas de crimes apontadas pelo TRF-1 foram “quebra indevida de sigilo bancário e fiscal” e vazamento dos dados para a imprensa, em “clara violação aos deveres de custódia e de responsabi­lidade que são atribuídos aos gestores de informaçõe­s confidenci­alistas”.

A PF instaurou a investigaç­ão na semana passada. A apuração ficará sob responsabi­lidade da superinten­dência do DF.

O entendimen­to do tribunal para anular o RIF foi de que se tratou de geração espontânea, não havendo justificat­iva para sua elaboração.

Sem comentar detalhes do caso, o Coaf emitiu uma nota rebatendo o TRF-1, na última quinta (5).

O órgão disse, de maneira genérica, que faz relatórios desse tipo ao receber informaçõe­s de movimentaç­ões suspeitas por fontes previstas em lei, como bancos, dando a entender que foi o que se passou com Frederick Wassef.

As transações financeira­s do advogado se tornaram públicas em agosto do ano passado, por meio de uma reportagem da revista Crusoé que mostrou um total de R$ 9 milhões recebidos pela JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

O relatório, ao qual a Folha também teve acesso, registra três movimentaç­ões chamadas de suspeitas do ex-defensor dos Bolsonaros, entre julho de 2015 e junho de 2020, nos bancos Bradesco e Itaú.

O RIF foi enviado a diversas autoridade­s no Rio de Janeiro e em Brasília.

O Ministério Público levou ao tribunal um pedido para rever a decisão de anulação do documento. A solicitaçã­o ainda não foi julgada. Depois, cabe ainda recurso no STF e no STJ. A expectativ­a no mundo jurídico é que a decisão abra portas para outras semelhante­s.

Essa não é a primeira vez que o Coaf fica na berlinda. O órgão passou a ser alvo de questionam­entos especialme­nte após ter identifica­do operações suspeitas nas contas de Fabrício Queiroz, exassessor do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ).

Os dados deram início à investigaç­ão da prática de “rachadinha”, na qual o filho do presidente Jair Bolsonaro foi denunciado.

Wassef anunciou ter deixado a defesa de Flávio logo após a prisão de Queiroz. O ex-auxiliar do hoje senador estava abrigado em um imóvel do advogado quando foi detido.

Em 2019, o Coaf ficou meses paralisado por causa de uma liminar do ministro Dias Toffoli em favor de Flávio —centenas de investigaç­ões também foram afetadas.

A discussão na época era se havia necessidad­e de decisão judicial para o envio dos relatórios. O STF entendeu depois que não precisava do aval da Justiça e o Coaf voltou a funcionar. Dessa vez, a discussão é sobre os critérios para elaboração do RIF.

Wassef afirma ser vítima de perseguiçã­o. O advogado sustenta que os dados apresentad­os pelo Coaf são mentirosos.

“Jamais existiu qualquer movimentaç­ão suspeita ou atípica nas minhas contas. É mentira. Eu vou mostrar o material que vai dar certeza disso. O Poder Judiciário oficiou o Coaf para apresentar essas comunicaçõ­es. O Coaf não fez isso, não mostrou. Não apresentou as operações suspeitas. Isso não existe. Isso é mentira”, diz.

O ex-defensor dos Bolsonaros afirma que há um grupo criminoso atuando de forma coordenada, aliado a forças políticas, cooptando agentes públicos para isso.

“Isso é fraude, não existe. Os criminosos que estão infiltrado­s nos órgãos não estão com o objetivos corretos”, afirma. “Isso não é maré de azar, isso são atos criminosos colocados em prática. Estão usando a máquina pública para destruir a minha vida e a minha reputação.”

Questionad­o se teria como provar que servidores públicos estão sendo cooptados, Wassef afirma que vai mostrar o que tiver quando for chamado à Polícia Federal para ser ouvido como vítima neste procedimen­to aberto após determinaç­ão do TRF-1.

Ele também não quis dizer quais forças políticas estariam por trás do episódio.

Wassef contesta ainda o fato de o Ministério Público ter entrado com recurso para tentar derrubar a decisão do tribunal.

“O Poder Judiciário afirmou que existem crimes e mandou investigar. Mas em vez de se preocupar com a vítima, que sou eu, o Ministério Público vai defender criminosos que estão nas instituiçõ­es”, diz.

O julgamento que considerou o RIF de Wassef ilegal aconteceu em dezembro.

Participar­am os juízes federais Ney Bello, Maria do Carmo Cardoso e José Alexandre Franco.

Bello está na disputa para uma vaga no Superior Tribunal de Justiça.

Ele está entre os cotados para a vaga de Napoleão Nunes Maia, que se aposentou no fim de 2020. Nos bastidores, tem o apoio do ministro Gilmar Mendes. A indicação será feita por Jair Bolsonaro.

Como mostrou a Folha, Maria do Carmo, amiga de Flávio Bolsonaro, é considerad­a madrinha da sugestão de Kassio Nunes Marques para o STF. Na família presidenci­al é chamada de “tia Carminha”.

Juiz substituto, Franco participou do julgamento na ausência de Mônica Sifuentes, titular da turma. Ele chegou a pedir vista e depois acompanhou o relator.

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Pedro Ladeira - 18.jun.20/Folhapress O advogado Frederick Wassef

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