Folha de S.Paulo

Congresso deve barrar agendas do bolsonaris­mo

Nova cúpula do Legislativ­o sinaliza apoio a pautas de cunho econômico, mas não a temas como armamentos

- Renato Machado e Danielle Brant

Alinhada com o governo de Jair Bolsonaro na agenda econômica, a nova cúpula do Congresso Nacional continua resistindo às pautas conservado­ras promovidas pelo presidente.

Líderes de partidos aliados ao Planalto dão como certo que propostas sobre armamentos, proteção de militares que matarem em operações policiais e outras seguirão engavetada­s.

Na questão de armas e munições, Bolsonaro deverá sofrer também resistênci­a a seus mais recentes decretos, que ampliaram o acesso da população a elas.

Dois dias após a vitória de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado, ambos se encontrara­m com o presidente, que os havia apoiado.

Receberam então uma lista de 35 projetos prioritári­os para o Planalto, vistos como uma fatura pela ajuda do Executivo nas duas eleições.

Alguns dos itens ganharam sinalizaçã­o positiva imediata, mas nenhum deles tem relação com o que é defendido pelo entorno dito ideológico de Bolsonaro.

Já os temas econômicos foram bem recebidos pela dupla.

brasília Enquanto a nova cúpula do Congresso Nacional abraça as prioridade­s do governo relativas à agenda econômica, as pautas conservado­ras mais alinhadas ao presidente Jair Bolsonaro continuarã­o enfrentand­o resistênci­a para avançar nas duas Casas.

Líderes partidário­s dão como certo que propostas relativas a armas, a proteção de militares que matarem em operações de GLO (garantia da lei e da ordem) e a outras de forte apelo à base bolsonaris­ta devem permanecer na gaveta no primeiro semestre do ano —ou mesmo ao longo de todo 2021.

Dois dias depois da vitória de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado, ambos se encontrara­m com Bolsonaro —na disputa eleitoral, eles foram apoiados pelo Palácio do Planalto

Lira e Pacheco saíram da visita com uma lista de 35 projetos prioritári­os para o governo e que estão em tramitação no Congresso. Para alguns, era a “fatura” pela ajuda aos dois parlamenta­res.

“Tudo quanto está ali não é uma decisão exclusiva do Senado e nem uma decisão exclusiva da Câmara. Nós temos obediência, dever e obrigação mesmo com o colégio de líderes de submeter o pleito do governo em relação a vários temas. Alguns serão pautados, outros, não. Alguns serão aprovados, outros, não. Isso faz parte da democracia”, disse Pacheco, no dia seguinte ao encontro.

Alguns itens da lista de projetos apoiados por Bolsonaro ganharam sinalizaçã­o positiva imediata, mas nenhum deles da relação defendida pela ala ideológica do governo.

Até aqui, Lira e Pacheco acertaram um cronograma para tentar aprovar a reforma tributária até outubro. O presidente da Câmara também enviou a reforma administra­tiva para a CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) da Casa e despachou para o Senado o marco legal do câmbio.

Pacheco, por sua vez, deu seguidos indícios de que vai avançar matérias do Plano Mais Brasil, composta por três PECs (Propostas de Emendas à Constituiç­ão): Emergencia­l, dos Fundos Públicos e do Pacto Federativo.

A mesma lista de prioridade­s continha pontos polêmicos que são caros a Bolsonaro e seus apoiadores.

A pauta bolsonaris­ta contém, entre outras, propostas para mudar regras de porte de armas, aumentar a pena para casos de abusos sexuais e corrupção de menores para tráfico de drogas, excludente de ilicitude para militares em operações de GLO, ensino domiciliar e mudança de regras de cobrança em pedágios.

Filho do presidente da República, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) esteve em reuniões nos últimos dias para tratar do projeto que flexibiliz­a o porte de armas. Um dos encontros foi com o senador Marcos do Val (Podemos-ES), relator da matéria no Senado.

Em 2019, o projeto foi aprovado pela Câmara, mas de forma desidratad­a em relação à proposta original encaminhad­a pelo Executivo.

Os deputados limitaram a flexibiliz­ação no porte de armas para os chamados CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionad­ores), retirando assim qualquer possibilid­ade de estender o porte e a posse de armas para outras categorias.

O senador Marcos do Val afirma que a relatoria do projeto no Senado já estava em andamento, mas foi interrompi­da durante a pandemia.

“Quando iniciou a pandemia, eu mesmo disse que não iria focar [esse projeto] por conta das prioridade­s que iriam surgir, na saúde e na economia. Na época não havia esperança de vacinação, não sabíamos como proceder”, afirmou.

Na última semana, no entanto, os senadores voltaram a ter tempo disponível para tratar de outras matérias não ligadas à pandemia. Antes de concluir seu relatório, o parlamenta­r afirma que vai ouvir a oposição e especialis­tas favoráveis e contrários à medida.

Marcos do Val também diz que vai promover alterações no texto aprovado na Câmara, o que vai implicar no retorno da proposta para aquela Casa —caso aprovada pelos senadores.

Algumas das mudanças devem contemplar dispositiv­os do projeto original de Bolsonaro, aumentando as categorias que podem ter direito a porte e posse de armas.

“Tem instituiçõ­es, como a guarda municipal, que não estão se sentindo contemplad­as porque hoje é só [cidades] acima de 500 mil habitantes para poder permitir que a guarda seja armada”, disse.

“Tem muitos municípios que durante a alta temporada a população pula de 500 mil habitantes para 2 milhões, 3 milhões de pessoas. Então isso não pode ser um critério”, completa o senador, que também menciona pedidos de guardas de trânsito e mesmo magistrado­s, que atualmente precisam de exames psicotécni­cos para obter o porte.

“Eu vou seguindo com ela [a pauta] em paralelo. Eu jamais colocaria essa pauta ou pediria para que essa pauta entrasse em prioridade, em relação a qualquer uma outra referente à saúde”, afirma o senador, que reconhece que a medida enfrenta resistênci­a, mas que pretende organizar discussões para esclarecer pontos sobre a questão.

Na Câmara, em reunião de líderes na última quinta-feira (11), o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) conseguiu emplacar a votação de um projeto que determina que condenado por homicídio ou tentativa de homicídio de policiais ou agentes das Forças Armadas cumpra pena em presídio federal de segurança máxima.

O texto, no entanto, não é consenso entre todos os líderes partidário­s. Sem acordo, pode não ter prioridade para votação.

Outros bolsonaris­tas também aproveitam o cenário mais favorável na Câmara para tentar emplacar seus projetos.

O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) apresentou texto que altera a lei de execução penal para acabar com o direito de visita íntima do preso. Outra proposta do parlamenta­r busca proibir empresas de exigirem que o trabalhado­r seja vacinado contra a Covid-19 para contrataçã­o ou manutenção do emprego.

“Toma a vacina quem quiser e que as pessoas não sejam pressionad­as a isso, principalm­ente por meio de coação ao emprego”, escreveu em uma rede social.

Carla Zambelli (PSL-SP), também da tropa de choque bolsonaris­ta, protocolou texto para tornar obrigatóri­a a apresentaç­ão de “boletim de ocorrência com exame de corpo de delito positivo que ateste a veracidade do estupro” para que a vítima seja autorizada a fazer aborto em caso de gravidez provocada pela violência sexual.

Zambelli apresentou ainda um projeto para proibir que o funcionári­o que decida não tomar vacina contra Covid-19 seja demitido por justa causa. O texto também caracteriz­a como discrimina­tória a dispensa sem justa causa se a motivação comprovada for a recusa do trabalhado­r em se imunizar.

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Ueslei Marcelino/Reuters Arthur Lira e Rodrigo Pacheco

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