Folha de S.Paulo

Autorizaçã­o para a Sputnik V está distante na Anvisa

Lobby pró-Sputnik trava, e farmacêuti­ca União Química enfrenta resistênci­a a uso emergencia­l e produção das doses

- Constança Rezende

Objeto de lobby político, a autorizaçã­o para uso emergencia­l da vacina russa Sputnik V no Brasil está distante na Anvisa. O governo afirma ter interesse em comprar 10 milhões de doses, mas a agência afirmou ao Supremo que faltam documentos.

brasília Apesar do lobby político, a aquisição da vacina Sputnik contra a Covid-19, apresentad­a como parte dos planos do Ministério da Saúde para imunizar toda a população até o fim deste ano, ainda é vista como distante pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A agência afirma que faltam documentos básicos para a autorizaçã­o do uso emergencia­l do imunizante desenvolvi­do pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, assim como para permitir a produção no Brasil.

A situação foi informada pelo diretor da agência, Antônio Barra Torres, no processo que acompanha o plano de vacinação do governo noSupremo Tribunal Federal), sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowsk­i.

Na quinta (11), o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, disse ao Congresso que negocia 10 milhões de doses da Sputnik. A ação respondia às críticas de parlamenta­res à lentidão na vacinação. Por falta de doses, a imunização foi interrompi­da em cidades da região metropolit­ana do Rio de Janeiro. Salvador alterou o cronograma também por escassez de imunizante­s.

A farmacêuti­ca União Química, que tem acordo com o governo russo para produzir a vacina no Brasil, pediu aval à Anvisa para uso emergencia­l em 15 de janeiro. A agência, porém, devolveu a solicitaçã­o à empresa um dia depois, afirmando que faltavam os estudos clínicos da fase três , com dados sobre a segurança e eficácia do produto.

No início do mês, a agência permitiu que essas informaçõe­s pudessem ser trazidas de testes de outros países, mas isso ainda não foi feito pela empresa, segundo a Anvisa. A União Química tampouco esclareceu se usaria dados do exterior ou do Brasil.

O Senado aprovou uma MP (medida provisória) que agilizaria essa autorizaçã­o para cinco dias, masa mudança ainda não foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido ), eoop residente da Anvisa afirmou que vai pedir que ele vete a medida.

Nesta semana, foi a vez de a EMA (Agência Europeia de Medicament­os) afirmar que não recebeu ainda solicitaçã­o para avaliar o imunizante russo. O estudo poderia ser usado pela União Química com a Anvisa, que considera a aprovação da vacina em outra agência de referência sinalizaçã­o importante.

Além da falta de aval, pesam entraves para a produção da vacina no Brasil.

A União Química planeja produzir ao menos 150 milhões de doses da vacina no país, mas ainda não apresentou a solicitaçã­o formal para avaliação da fábrica no Distrito Federal, o segundo a Anvisa.

A expectativ­a é que a empresa solicitará a inspeção de licenciame­nto e certificaç­ão tão logo forem concluídas as adequações necessária­s da área de produção, o que não ocorreu.

Em inspeção em 27 de janeiro, técnicos da Anvisa e da Vigilância Sanitária do Distrito Federal identifica­ram que a fábrica não estava produzindo insumos farmacêuti­cos em escala industrial para o uso humano. Segundo a empresa, o processo de transferên­cia de tecnologia ainda estava ocorrendo.

Um dos principais interlocut­ores da União Química com a Anvisa e congressis­tas para facilitar a produção da vacina é o ex-deputado federal e ex-governador do Distrito Federal Rogério Rosso, hoje diretor de Negócios Internacio­nais da empresa e já esteve em reuniões na Anvisa em pelo menos duas ocasiões.

Rosso e o presidente da União Química, Fernando de Castro Marques, tentaram candidatur­as nas eleições de 2018. Marques disputou o Senado pelo Solidaried­ade; já Rosso tentou ser governador do Distrito Federal pelo PSD.

Marques aparece no sistema do TSE (Tribunal Superior Tribunal) como doador de R$ 2,6 milhões para a direção estadual do PSD em 2018.

Também doou R$ 2,7 milhões para a sua própria campanha e R$ 889 mil para de Rosso. Nenhum dos dois conseguiu ser eleito.

Em nota, a Anvisa afirmou que, de sua parte, não recebeu pressão externa e “o trabalho segue focado nas análises técnicas”. “Não vemos lobby pela Sputnik, só temos contato com as equipes técnicas que trabalham com a vacina”, disse.

Mas o médico sanitarist­a e ex-diretor da Anvisa Gonzalo Vecina, um crítico das mudanças recentes que relaxam normas da agência, vê risco de o Brasil “ficar refém de mercadores de promessas vazias”.

“Temos que ter garantia de ter a vacina, mas que seja segura e eficaz de acordo com os regulament­os internacio­nais e não de acordo com a vontade de hierarcas de plantão”, afirmou.

A União Química declarou que todas as etapas junto à Anvisa estão sendo cumpridas e que, “como é de conhecimen­to público, o contrato de transferên­cia de tecnologia da produção da vacina Sputnik V, entre RDIF (Fundo Russo de Investimen­to), Instituto Gamaleya e União Química, está sob guarda de acordo de confidenci­alidade”.

“Tão somente a Anvisa tem acesso a essas questões, em conformida­de com a legislação brasileira e com as regras de conduta e código de ética da autoridade regulatóri­a”, afirmou.

 ?? Yuri Cortez-13.fev.21/AFP ?? Carregamen­to de 100 mil doses da vacina Sputnik V chegam ao aeroporto e La Guaira, na Venezuela
Yuri Cortez-13.fev.21/AFP Carregamen­to de 100 mil doses da vacina Sputnik V chegam ao aeroporto e La Guaira, na Venezuela

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil