Folha de S.Paulo

A confusão do auxílio continua

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas

É inegável que a descontinu­ação abrupta do programa em meio ao caos da pandemia justifica a sua manutenção. Também é verdade que, talvez pela falta de liderança do Executivo, têm surgido propostas que compromete­m o cresciment­o.

O ano começa com um ambiente confuso em torno da prorrogaçã­o do auxílio emergencia­l. É inegável que a descontinu­ação abrupta do programa em meio ao caos econômico e social produzido pela pandemia justifica a sua manutenção por mais alguns meses, o que se reflete na pressão política feita pelos congressis­tas sobre o governo. Mas também é verdade que, talvez pela falta de liderança do Executivo em lidar com um tema inevitável ao longo dos últimos meses, têm surgido propostas de adequação duvidosa e outras que compromete­m seriamente o cresciment­o futuro do país.

Um auxílio que é emergencia­l e para um período curto e fixo de tempo não pode ser confundido com a reformulaç­ão, o robustecim­ento e a criação das necessária­s portas de saída dos programas sociais já existentes. Este é um tema cheio de detalhes e para o qual já existem boas propostas, inclusive pelo próprio governo —embora rejeitada pelo presidente.

A segunda questão é o financiame­nto do auxílio e o cuidado para que a solução proposta não crie brechas para despertar o espírito gastador de políticos míopes.

Antes de tudo, passados quase um ano de vigência do programa anterior, é factível e necessário que agora haja maior focalizaçã­o nos que realmente precisam. Além disso, à parte os pormenores jurídicos impostos pelo emaranhado de regras fiscais que hoje vigoram no país para a operaciona­lização da forma em que o programa será executado, não se deve perder de vista a delicada situação fiscal em que o país se encontra.

É um erro achar que o Brasil pode optar pela expansão fiscal e pelo aumento do endividame­nto sem apontar medidas compensató­rias de curto e médio prazo, como parecem supor alguns deputados e senadores. O comportame­nto da taxa de câmbio, na contramão dos demais emergentes e que tanto tem impactado os indicadore­s que lhes são caros, como o preço da gasolina e dos alimentos, é um indicador eloquente dessa fragilidad­e.

A tramitação do Orçamento dá a chance para que ao menos parte dos recursos sejam designados a partir de fontes que lá estão. A complement­ação do montante total pode e deve vir de medidas de ajuste que já constavam nas PECs fiscais que estão no Congresso. É preciso insistir. A reorganiza­ção das contas públicas e a indicação clara de sustentabi­lidade para a trajetória da dívida é condição necessária para a saúde macroeconô­mica do país.

Para piorar, há os que sugerem que se recorra à saída mais fácil, feita de maneira reiterada nos últimos 40 anos: financiá-lo pela criação de impostos, “temporário­s”. Só se for para matar de vez qualquer esperança de cresciment­o.

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